Topo

Leonardo Sakamoto

Temer mantém prejuízo ao trabalhador com alterações na Reforma Trabalhista

Leonardo Sakamoto

14/11/2017 23h55

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Por Ana Magalhães e Leonardo Sakamoto

Michel Temer editou, nesta terça (14), uma medida provisória com ajustes à Reforma Trabalhista. As mudanças encaminhadas ao Congresso Nacional, que passam a valer no momento de sua publicação, haviam sido acordadas com os senadores da base do governo para que aceitassem aprovar o texto vindo da Câmara dos Deputados sem alterações.

As mudanças dizem respeito à necessidade de convenção coletiva para a jornada de trabalho de 12 por 36, ao afastamento de gestantes em lactantes em ambientes insalubres de trabalho, à regulamentação da jornada intermitente de trabalho, à proibição da cláusula de exclusividade na relação de um autônomo com os empregadores, ao fim do cálculo da indenização por dano moral com base no salário do empregado, às regras para a fiscalização do pagamento de gorjetas e à garantia de que sindicatos continuem representando os interesses da categoria, acima da comissão de empregados de cada empresa.

A MP, contudo, não alterou a maioria dos impactos negativos ao trabalhador. O coração da Reforma Trabalhista, por exemplo, continua: a garantia de que a negociação entre patrões e empregados fique acima do que diz a lei, como foi solicitado por associações empresariais. Em sindicatos fortes, isso pode render bons frutos. Em sindicatos fracos ou corruptos, negociações tendem a ser desequilibradas a favor dos patrões, aprovando reduções em direitos que coloquem em risco a saúde e a segurança de trabalhadores.

Abaixo, uma lista de algumas ações que Temer poderia ter alterado para reduzir os danos da reforma aos trabalhadores, mas não fez:

Garantir que a pessoas com jornada intermitente não sejam excluídas da Previdência Social
A medida provisória regulamentou os contratos intermitentes, que permitem pagar trabalhadores por hora ou dia, ou seja, manteve a possibilidade de um empregado receber menos de um salário mínimo por mês. E isso tem consequências. Por exemplo, os trabalhadores que tiverem um ou mais contratos intermitentes de trabalho e, no final de um mês, não conseguirem receber ao menos um salário mínimo somando todos eles, não terão esse mês contado para fins de cálculo da aposentadoria, nem para manutenção da qualidade de segurado da Previdência Social. Para que isso aconteça, ele terá que recolher por conta própria o valor do carnê do INSS referente à diferença entre a remuneração recebida e o salário mínimo mensal. O que, para uma pessoa em situação de vulnerabilidade social, é difícil de acontecer.

Manter responsabilidade trabalhista de empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico
A nova CLT reduz as situações em que empresas são consideradas como parte do mesmo grupo econômico, criando dificuldades para encontrar as empresas responsáveis em ações trabalhistas. A antiga legislação permitia que juízes responsabilizassem empresas subsidiárias que possuem os mesmos sócios, por exemplo. Já a legislação sancionada no dia 13 de julho diz que, para configurar grupo econômico, não basta que duas empresas tenham os mesmos sócios. É preciso demonstrar "interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta" das empresas.

Permitir que trabalhador no home office receba hora extra
A reforma não estabelece controle de ponto para o home office, portanto, o empregado poderia trabalhar acima da jornada permitida em lei sem direito ao pagamento de horas extras. O Congresso Nacional deveria mudar este dispositivo para que a convenção coletiva da categoria determine como será o controle do tempo trabalhado em casa. Além disso, a nova CLT diz que a responsabilidade pela aquisição e manutenção dos equipamentos pode ser negociada individualmente, sem participação dos sindicatos, o que pode ser negativo ao trabalhador.

Garantir que prêmios integrem salários, evitando fraudes e permitindo benefícios
Com a reforma, apareceu a categoria de "prêmios", que não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de encargos trabalhistas e previdenciários. O texto da reforma afirma que "consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades". Falta clareza a isso, o que tem levado a múltiplas interpretações junto a advogados trabalhistas, procuradores e magistrados por conta do período em que isso seria válido e qual o critério para tanto. Empregadores, por exemplo, podem substituir um trabalhador que ganha R$ 2.500 e contratar um novo, que demonstrando "desempenho superior" ganhe R$ 2.000 de salário, mais R$ 500 mensais de prêmio.

Evitar que empregados sejam contratados como "autônomos" sem direitos
A medida provisória de Temer alterou os parâmetros da contratação de autônomos, proibindo que seja exigida exclusividade. Ou seja, um autônomo pode prestar serviços para vários empregadores do mesmo setor. O problema é que manteve-se uma mudança negativa da Reforma Trabalhista: esse autônomo pode trabalhar de forma contínua para um único tomador de serviços e, ainda assim, não ser considerado seu empregado. E, portanto, não garantir os direitos assegurados pela Constituição Federal, como 13o salário e férias. A MP tenta mostrar que afasta essa possibilidade dizendo que subordinação configurará vínculo de emprego do autônomo. Vai ser curioso ver continuidade de prestação de serviços a uma única empresa e, na prática, não haver subordinação…

Manter remuneração para deslocamentos relacionados ao trabalho
A nova legislação acaba com o pagamento da hora in itinere, ou seja, o tempo de deslocamento do trabalhador do momento em que entra na empresa até ocupar seu efetivo posto de trabalho. Antes, também era considerado como tempo de serviço os casos em que o empregador fornecia o meio de locomoção na ausência de transporte público. No campo, na mineração ou na indústria petrolífera, por exemplo, trabalhadores podem demorar horas neste deslocamento.

Garantir que troca de uniforme e higiene durante o trabalho façam parte da jornada
Pela nova CLT, o tempo gastos com a troca de uniforme, higiene pessoal ou estudos (caso de workshops ou cursos de idiomas, por exemplo) não contarão como hora trabalhada. Vale lembrar que o trabalhador troca de uniforme não por interesse pessoal, mas por interesse da empresa. A nova lei também afirmar que a responsabilidade de lavar uniformes de trabalho passa a ser do trabalhador.

Impedir que trabalhador perca direitos ao assinar termo afirmando que não há problemas trabalhistas
A lei sancionada criou um "termo anual de quitação de obrigações trabalhistas", documento que pode ser assinado entre empregados e empregadores perante o sindicato, uma espécie de "nada consta" de pendências trabalhistas. O problema é que, após firmar o termo, o trabalhador pode ficar impedido de ir à Justiça questionar o valor do seu salário.

Não alterar o imposto sindical sem um debate específico sobre esse setor
Aqui não se defende a manutenção do imposto sindical, mas que o seu fim deveria acontecer por meio de uma Reforma Sindical no Brasil, que também inclua o fim da unicidade sindical (determinação constitucional que permite que apenas um sindicato represente uma categoria por região, o que estimula a corrupção) e a possibilidade de um mesmo sindicato representar todas as atividades de uma mesma cadeia econômica.

Garantir que acordos coletivos durem mais de 2 anos
A reforma fixa que convenções ou acordos coletivos não podem ter duração superior a dois anos e que, terminado o prazo de duração de um acordo coletivo, ele já não se aplica até que seja assinado novo acordo. O problema é que benefícios obtidos de uma negociação coletiva podem ser "zerados" antes da negociação seguinte, o que aumenta o poder de barganha dos empregadores e reduz conquistas dos trabalhadores. Por exemplo: um sindicato negocia com uma empresa que os trabalhadores terão direito a seguro de saúde. Se não for assinado novo acordo coletivo no prazo de dois anos, o benefício do seguro de saúde deixa de valer.

Permitir que trabalhadora determine a hora de amamentar
Pela nova regra, dois intervalos de meia hora obrigatórios para a amamentação têm que ser acordados com a chefia. Na antiga CLT não havia essa determinação. O problema é determinar que os intervalos terão que ser negociados com o patrão, o que deixa a trabalhadora vulnerável. A amamentação deve ser pautada pelo desejo da criança ou da mãe, não do empregador.

Impedir que trabalhador de baixa renda tenha que pagar pelas perícias da ação trabalhista
A reforma trabalhista afirma que os gastos periciais da ação trabalhista ficarão por conta do autor, mesmo se comprovado seu direito de acesso gratuito à Justiça. Na lei antiga, os gastos periciais ficam por conta da União para quem comprova não ter recursos e, portanto, tem direito à justiça gratuita. A norma deve ser alterada porque cria diferença entre os tribunais, ou seja, apenas na Justiça do Trabalho haveria a cobrança desses gastos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.