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Leonardo Sakamoto

O Brasil é um grande provolone na cueca de um deputado preso na Papuda

Leonardo Sakamoto

23/11/2017 23h44

Quando entrevistei Xanana Gusmão, preso por comandar a resistência pela independência de Timor-Leste, levei um gravador escondido na cueca para a Penitenciária de Cipinang, em Jacarta, capital da Indonésia – o país invasor.

Olhando para aquele momento, em 1998, eu me pergunto onde estava com a cabeça para entrar em uma instalação de segurança com um treco daqueles abraçado às partes íntimas. Pensei que tinha testado os limites da irresponsabilidade. Mas era Xanana, um dos personagens fundamentais do final do século 20, uma entrevista importante, afinal.

Daí a realidade brasileira me mostrou que tenho muito a aprender. Celso Jacob que, de dia, é deputado federal pelo PMDB do Rio de Janeiro (básico…) e, à noite, torna-se detento no presídio da Papuda, em Brasília, tentou voltar para a instituição com dois pacotes de biscoito e um queijo provolone escondidos na cueca. Vocês podem pensar que ele testou os limites da responsabilidade. Mas era provolone, um queijo importante, afinal.

Jacob foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a sete anos e dois meses de prisão por falsificar documentos e dispensar licitação para a construção de uma creche quando era prefeito de Três Rios (RJ). Como não foi cassado pela Câmara, seguiu com o mandato, voltando para dormir no presídio. Ficará no isolamento, como punição.

O destino de Xanana foi se tornar o primeiro presidente, em 2002, de um Timor-Leste que conquistou a liberdade após sofrer um processo de limpeza étnica que durou um quarto de século, com centenas de milhares de mortos.

Já o destino de Jacob sofreu mais um revés. A 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios acatou um recurso do Ministério Público e revogou a permissão para ele trabalhar na Câmara de dia. Seus advogados vão recorrer. Não sei que fim levou o queijo, muito menos os dois pacotes de bolacha, mas gostaria de saber como coube tanta coisa na cueca do deputado.

Aliás, a curiosidade não é apenas sobre ele. Em 2005, José Adalberto da Silva, assessor parlamentar do deputado petista José Guimarães, foi detido por agentes da Polícia Federal, no Aeroporto de Congonhas, carregando 100 mil dólares na cueca.

O que é mais volumoso que um queijo, mesmo que provolone, e dois pacotes de biscoitos. E, certamente, bem maior que um gravadorzinho.

Tudo isso é pinto, sem trocadilho, comparado com a granja encontrada em um apartamento em Salvador, em setembro deste ano, cuja responsabilidade foi atribuída a Geddel Vieira Lima, amigão de Michel Temer e ponto focal do PMDB. Caixas e malas guardavam R$ 51 milhões.

O que daria umas 159 viagens de cueca, em valores de hoje.

E 1.251.841 roletes de provolone de 600 gramas. Não sei se é esse o tamanho do artefato contrabandeado pelo deputado em sua roupa íntima. Se for de peso menor, significa mais queijo ainda.

Mas a conta mais interessante não é essa. Mas sim que o Timor-Leste, um país com 14.874 quilômetros quadrados, menor que a área do menor Estado brasileiro, com algumas centenas de milhares de pessoas à época, resistiu a um dos maiores exércitos do mundo por um quarto de século, praticamente sozinho a um genocídio terrível, e obteve sua independência.

Enquanto isso, somos um país continental, com mais de 208 milhões de pessoas, segundo estimativa do IBGE, com uma imensa maioria formada por trabalhadores que seguem sendo sistematicamente explorados por uma pequena elite política e econômica. Que, sem pudor algum, atua para manter seu privilégios em detrimentos aos direitos da imensa maioria, seja em momentos de crise, seja nos de crescimento.

Você pode não perceber, mas a aprovação da Reforma Trabalhista e da PEC do Teto dos Gastos Públicos (que congelou por 20 anos novos investimentos em áreas como educação e saúde públicas) são muito mais gritantes que o "apartamento da alegria" de Geddel Vieira Lima. Porque retiram dos mais pobres bilhões e bilhões de reais em direitos, fazendo com que paguem sozinhos pelo fim da crise econômica, enquanto bilhões permanecem na cueca dos multimilionários, que recebem dividendos de suas empresas, isentos de cobrança de taxas.

Aquela gente pobre de Timor, de uma metade de ilha entre o Pacífico e o Índico, venceu apesar de todas as expectativas. Portanto, o que dizer de nós que permanecemos em berço esplêndido, alheios às lutas do passado, catatônicos com o presente e incrédulos com relação ao futuro?

O Brasil enfrenta um período decisivo. Se puder se unir em torno de um mesmo adversário – a desigualdade, suas causas e causadores – conseguirá também se libertar. E, quiçá, ser realmente independente.

Post atualizado às 8h, do dia 24/11/17, para inclusão de informação sobre a revogação do direito de Celso Jacob de trabalhar na Câmara de dia. 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.