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Leonardo Sakamoto

O PSDB ajudou a parir Temer e, agora, vai abandonar a criança

Leonardo Sakamoto

28/11/2017 22h06

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O PSDB prepara o desembarque do governo Michel Temer. Faltam alguns detalhes, como a questão da votação da Reforma da Previdência.

A agenda principal do PSDB nunca foi Temer, a bem da verdade. Mas os líderes do partido queriam aproveitar a janela de oportunidade a fim de aprovar as impopulares reformas – essas sim pautas do partido. Já conseguiram fazer passar a PEC do Teto dos Gastos (congelando por duas décadas investimentos em áreas como educação e saúde públicas), a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista, entre outras.

Dessa forma, o descontentamento da população foi para o atual ocupante do Palácio do Planalto, que agora conta com algo entre 3% a 5% de aprovação, dependendo da pesquisa. E o partido pode chegar com menos ônus às eleições do ano que vem. Pois qualquer candidato à Presidência da República será execrado em debates na TV ao assumir uma Reforma da Previdência como uma de suas propostas de governo. E nem horas de discurso antipetista e todos os memes do mundo juntos vão salvar uma debandada do eleitorado ao perceber que o tal candidato apoia o adiamento da aposentadoria do povo.

É isso ou assumir um estelionato eleitoral mais pesado até do que o cometido por Dilma Rousseff ao iniciar o seu segundo mandato em 2015, quando ela colocou em prática o oposto do que prometeu.

O PSDB vai tomando distância do governo Temer  pressionado pelo grupo que deseja preparar as candidaturas do ano que vem.  Verdade seja dita, parte do partido nunca quis fazer parte do governo. Mas também não se deve nunca esquecer que a cúpula do tucanato foi a parteira da criatura ao não reconhecer a derrota eleitoral de 2014 e a capitanear a queda do governo anterior.

Se a autocrítica do tucanato tivesse existido, neste momento deveria incluir uma reflexão sobre a democracia. A quem o partido representa: a população em geral ou apenas algumas dezenas de milhares de ricos? Quem conferiu o mandato aos deputados e senadores: milhões de eleitores ou algumas centenas de doadores de campanha? O que Franco Montoro pensaria disso?

Invariavelmente, essa reflexão levaria não apenas à saída do governo, mas a um freio na discussão da Reforma da Previdência – que não conta com apoio da esmagadora maioria da sociedade pelo que pode ser visto por diferentes pesquisas de opinião. Há parlamentares no PSDB com esse entendimento, defendendo, por exemplo, uma Reforma Tributária com Justiça Social. Mas não fazem parte da cúpula e, portanto, não são ouvidos.

Um rascunho dessa Reforma Tributária, aliás, está no próprio Ministério da Fazenda, envolvendo o retorno da taxação dos dividendos e a criação de alíquotas de 35% a 40% no Impostos de Renda para grandes salários. Mas foi congelado pela chiadeira da elite brasileira.

Não se nega a importância de adotar novas regras para o INSS e para previdência pública de forma a garantir estabilidade futura ao sistema. O problema é que isso está sendo feito sem a devida discussão.

Enquanto isso, Temer não tem muitas opções. Com a corda no pescoço, depende do apoio do PSDB e do empresariado. E sabe que sua melhor chance segue sendo mostrar-se capaz de entregar as reformas encomendadas pelo poder econômico. Se tivesse apreço à dignidade, afirmaria publicamente que um desembarque do PSDB levaria ao congelamento dessas mudança. Aliás, ele deveria renunciar e articular eleições diretas para a sua vaga. Mas isso é outra história, porque a questão agora é a de garantir sua própria liberdade e a de seu grupo político (os que ainda não estão presos).

O PT, de certa forma, pagou o preço de ter colocado Michel Temer em nossas vidas com a conspiração a céu aberto realizada pelo então vice visando ao impeachment. Agora, seria justo o PSDB arcar com as consequências de seus atos, talvez do ponto de vista eleitoral.

O que talvez aconteça, mas não da forma como se pensa. Em junho passado, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) – que pode ser muita coisa, menos burro – foi bem claro: "Se o PSDB deixar hoje a base vai ficar muito difícil de o PMDB apoiá-los nas eleições de 2018. Política é feita de reciprocidade". Lembrando que o PMDB pode até não ter um candidato viável à Presidência, mas contará com tempo de TV e a maior quantidade de prefeitos – o que rende uma capilaridade como nenhum outro.

Enfim, quem pariu Michel não apenas o embale, mas seja responsável pela sujeira deixada pela casa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.