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Leonardo Sakamoto

Temer conta com deputados suicidas para "plano B" da Reforma da Previdência

Leonardo Sakamoto

01/12/2017 08h45

Foto: Getty Images

Levantamento da Folha de S.Paulo, publicado nesta sexta (1), mostra que, pelo menos, 210 deputados federais, de um total de 513, votarão contra a proposta da (já desidratada) Reforma da Previdência. São necessários 308 para estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria – de 65 anos para homens e 62, para mulheres.

O governo Michel Temer, contudo, ainda tem um plano B. Ele abrange exatamente a parte da proposta original que atingia os mais pobres na reforma e que, por isso, foi retirada provisoriamente. Prevê a elevação da contribuição mínima para 25 anos, mudança que pode ser aprovada com menos votos por não se tratar de matéria constitucional.

O blog conversou com parlamentares da oposição preocupados com a aplicação de um plano B caso o governo não consiga aprovar o seu pacote principal e deseje sinalizar algo para o mercado. A banca, aliás, perdeu o pudor e dá ordens ao governo à luz do dia. Repetem o mesmo discurso de Temer e da cúpula do governo, de que se essa reforma não for aprovada, um meteoro atingirá o Brasil no primeiro semestre de 2018, acabando com a vida nesta porção tropical do planeta.

Enquanto o estabelecimento de uma idade mínima para todos os aposentados depende do apoio de uma emenda ao artigo 201 da Constituição Federal, a questão do tempo de contribuição pode passar como leis complementares ou ordinárias. Isso demandaria maioria absoluta (257 votos na Câmara) ou simples (maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares), respectivamente.

Claro que, para isso, o governo tem que contar com uma tendência política suicida dos parlamentares, uma vez que a impopular medida, às vésperas dos calendário eleitoral, pode levar os já relutantes eleitores a lhes darem as costas de vez. E também com o grupo de deputados que percebeu que não irá se reeleger nem que vaca tussa pode tentar tirar o máximo proveito dos cofres públicos ao vender seu voto. E ainda com aqueles que podem ser convencidos pelos benefícios oferecidos tanto pelo governo – como o apoio à aprovação de leis ou a publicação de medidas executivas que os beneficiem e a seus patrocinadores.

Os mais pobres já se aposentam hoje, por idade – 65 anos, homens, e 60, mulheres. Para isso, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos). Se esse impopular plano B passar, o número salta para uma carência de 300 contribuições (25 anos). Isso não afeta diretamente os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas diretamente pela assistência aos idosos pobres.

Na prática, esse pessoal vai acabar perdendo o que contribuiu e tendo que procurar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode ser menor que a pensão que teriam direito a receber.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (com um mínimo de 35 ou 30 anos) representa apenas 29%.

E dados da própria Previdência Social apontam que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade no ano de 2015 contribuíram menos de 25 anos.

O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos. O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.

Já disse isso aqui antes, mas deputados que vendem voto são tão espertos que, se venderem a própria mãe, seriam capazes de não entregar. Portanto é difícil acreditar que haverá um suicídio coletivo na Câmara dos Deputados em nome de uma promessa que Michel Temer fez ao mercado para se manter no poder. Temer tem que fazer com que o poder econômico continue acreditando que ele quer aprovar a proposta por uma questão de sua sobrevivência e de seu grupo politico.

Provavelmente, o mercado e as grandes empresas vão ter que se contentar apenas com uma Lei da Terceirização Ampla e uma Reforma Trabalhista, que tiraram a proteção sobre a saúde e a segurança da população em nome da competitividade e do lucro. Mas também com perdões de dívidas empresariais bilionárias com o governo e com uma PEC do Teto de Gastos – que congelou investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximos 20 anos para poder pagar juros de dívida.

Até diria que, daqui a pouco, o país também vai querer a liberdade em nome do crescimento. Mas ele já fez isso, ao tentar mudar o conceito de escravidão e dificultar o resgate de trabalhadores através de uma portaria ministerial que atendia aos desejos da bancada ruralista e de grandes empresas da construção civil.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.