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Leonardo Sakamoto

Pesquisa aponta que aprovação de Doria virou farinata em São Paulo

Leonardo Sakamoto

05/12/2017 10h02

Após um ano de gestão, 39% dos moradores de São Paulo consideram a administração João Doria ruim ou péssima, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada nesta terça (5). Outros 29% avaliam como ótimo ou bom e 31% como regular. A reprovação é a mesma de Fernando Haddad no final de 2013 – com a diferença que o petista enfrentou as gigantescas manifestações de rua de junho daquele ano, quando jovens pararam a cidade de São Paulo.

A trajetória de Doria até aqui mostra que investir em comunicação é importante. Contudo, um governo não se sustenta apenas mantendo um canal aberto com seu eleitores e fãs. Precisa que a mensagem seja lastreada em realizações que mudem a vida das pessoas para melhor. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde, a população percebe que, por trás das promessas, há o vazio.

Desde que assumiu, ele transformou a prefeitura em um grande reality show, divulgando seu dia a dia nas redes sociais. E, adotando um ritmo frenético, elegeu o personagem que havia criado para a campanha eleitoral – o João Trabalhador – em protagonista desse reality.

Vestiu-se repetidas vezes de gari para mostrar que se preocupava com a zeladoria da capital. Mas, com exceção da rica região dos Jardins, onde mora, boa parte da cidade está carente de manutenção, com entulho, mato e sujeira acumulando em praças e equipamentos públicos, principalmente na periferia.

Divulgou nas redes sociais doações "voluntárias" feitas por grandes empresas à prefeitura, sem garantir a devida transparência para essa relação público-privado e qual o tipo de contrapartidas que teríamos que ceder a elas. Como foi o caso de remédios próximos do vencimento. Depois descobriu-se que o poder público perderia com a consequente isenção concedida ao doador e com o custo do descarte de remédio vencido.

Surgiu falando da importância da educação e abraçou crianças em postagens, enquanto que, em algumas escolas, o acesso à merenda escolar chegou a ser limitado para crianças que ainda estavam com fome. Decretou guerra contra pichadores, apagando junto os murais de grafite que tornaram a capital paulista uma das referências mundiais em arte urbana. Como consequência, pichadores aceitaram a provocação e as paredes da cidade nunca estiveram tão marcadas.

Chegou a demitir secretários pelo vídeo – como foi o caso envolvendo a vereadora Soninha Francine, uma das maiores peças de constrangimento digital de 2017. E a lavar roupa suja com correligionários, como fez com Alberto Goldman, hoje presidente em exercício do PSDB, que chamou de "improdutivo" e "fracassado". E a tomar decisões antes de consultar seus secretários que são os que conhecem suas respectivas áreas.

Após uma ação violenta em parceria com o governo do Estado, postou que a Cracolândia da região central da cidade havia acabado. Contudo, a operação apenas espalhou as pessoas com dependência de drogas para outras regiões da cidade sem dispersar o problema no Centro. A imagem mais ilustrativa dessa ação atabalhoada foi a derrubada de um muro de uma pensão com pessoas ainda dentro por máquinas da Prefeitura – um homem saiu carregado de maca para o hospital. Alertado, o prefeito, que estava vistoriando a operação, saiu de lá para evitar a imprensa. Mesmo com todos os problemas, a operação foi mantida, pois tinha eco junto ao seus seguidores nas redes sociais. A então secretária de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra,  pediu demissão por discordar do prefeito na ação.

Usando as mesmas redes sociais, João Doria atacou nominalmente repórteres que publicavam matérias denunciando problemas de sua gestão. Isso funcionava como um recado a uma milícia digital que o apoia, que então organizava ataques coletivos aos repórteres, vasculhando sua vida pessoal, fazendo ameaças, espalhando o medo em uma versão 2.0 e tupiniquim do macarthismo norte-americano.

Encantado consigo mesmo e com os índices de popularidade alcançados no início da gestão, passou a atuar como pré-candidato à Presidência da República. Em 11 meses de mandato, Doria fez 43 viagens para dentro e fora do país. A justificativa é de que estava fechando acordos em prol de São Paulo ou atuando para organizar prefeitos de outras regiões. Mas a maior parte dos deslocamentos gerou atos de campanha, com discursos e promessas.

A cidade começou a reclamar que o seu administrador passava mais tempo fora. Explicou que, com as novas tecnologias da comunicação, é possível governar à distância. Mais do que piada em forma de memes compartilhados pela classe média, a situação fermentou a insatisfação dos mais pobres na periferia. Haviam votado nele para ver a vida mudar, não para se catapultar para a próxima eleição.

Enquanto articulava sua campanha, bateu de frente com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, candidato natural do PSDB à sucessão presidencial. Vendia-se como a melhor escolha e, logo depois, divulgava fotos abraçado com o governador nas redes sociais dizendo que eles continuavam #BestFriendsForever. Alckmin, que não costuma fazer selfie, agiu pelos bastidores para desidratar Doria, pautando a própria imprensa e a rede social com as falhas de seu pupilo ingrato.

O último golpe em suas pretensões para o Palácio do Planalto, contudo, foi dado pelo próprio João Doria quando resolveu investir na produção do composto nutricional obtido através da reciclagem de alimentos próximos ao vencimento. No afã de produzir fatos nacionais e se mostrar como político que deseja combater a fome, trouxe até o cardeal de São Paulo para lançar junto com ele a farinata à imprensa.

Esqueceu-se que, num país profundamente desigual como o nosso, a fome caminha lado a lado com a abundância de alimentos. E, por conta disso, grande parte da sociedade sabe que já passamos a fase de distribuição de complementos orgânicos em São Paulo e que o problema não é de falta e sim de distribuição de comida de verdade – basta vontade do poder público para criar e melhorar os mecanismos para tanto. No fim, ele ganhou as redes sociais, mas não do jeito que imaginava. As imagens da "ração humana de Doria" viralizaram pelo país. Tornou-se uma propaganda negativa aos eleitores de regiões pobres.

Não satisfeito, ainda arranjou tempo para ficar ao lado da bancada ruralista e defender o projeto que dificultava a libertação de trabalhadores escravizados, baixado pelo governo Temer – seu aliado. Desejava ficar bem na fita com os representantes dos produtores rurais, mas não percebeu que a população havia rejeitado, em peso, essa medida absurda.

Passado quase um ano, Doria atinge sua maior popularidade entre os que têm maior renda. Dos que ganham mais de dez salários mínimos, 45% avalia sua gestão como ótima e boa e 21% como ruim e péssima. Enquanto isso, entre os que ganham até dois salários mínimos, 44% o considera como ruim e péssimo e apenas 23% como ótimo ou bom. Como São Paulo é mais periferia do que centro, a média da reprovação acompanha os mais pobres.

Eu diria que esses são números parciais e o prefeito, que é uma pessoa inteligente, ainda teria três anos de gestão pela frente para mostrar que se preocupa com os demais habitantes da urbe da mesma forma que cuida daqueles que pertencem à mesma classe social que ele.

O problema é que o reality show não combina muito bem com um mandato executivo, no qual decisões difíceis devem ser tomadas, não raro indo na contramão do que apontam as curtidas e compartilhamentos na rede social. Mas populismo digital é perfeito para quem está vendendo uma ideia – a si próprio, por exemplo.

Doria tentou engatar a campanha eleitoral de 2016 na de 2018. O problema é que quando a situação reverte-se em ganho apenas para o ator da peça e não para a plateia, ela não se não se sustenta no longo prazo.

Ele tem dois caminhos: seguir em campanha e pleitear o governo paulista ou mesmo a Presidência no ano que vem. Ou pode administrar a cidade. O primeiro, ele sabe trilhar muito bem. Já sobre o segundo, ainda não temos certeza.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.