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Leonardo Sakamoto

Com inveja de Temer, Congresso Nacional também atinge 5% de aprovação

Leonardo Sakamoto

06/12/2017 08h50

Deputado Wladimir Costa (SD-PA) com sua "homenagem" a Michel Temer, uma tatuagem de henna. Foto: Reprodução/Facebook

O Congresso Nacional sentiu inveja de Michel Temer e decidiu copiá-lo. Pesquisa Datafolha, divulgada nesta quarta (6), aponta que a aprovação da Câmara e do Senado chegou a 5% – mesmo índice que do ocupante da Presidência da República. A rejeição ao trabalho dos parlamentares atingiu seu pico na história recente com 60% dos brasileiros considerando-o ruim ou péssimo.

Parte da repulsa aos "representantes do povo brasileiro" se deve, claro, à transmissão em tempo real da transformação da instituição em um mercado a céu aberto, onde se compra e vende de tudo. De salvo-condutos a um presidente acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça em pleno exercício do cargo a reformas estruturais que atendem ao interesse de grandes empresas e do poder econômico. Tudo, absolutamente tudo, pode ser negociado a um preço camarada e pago em dinheiro, cargos, perdões bilionários de dívidas. Até aprovação de medidas que beneficiem amigos, como a publicação de uma portaria pelo Poder Executivo que torna mais difícil libertar escravos.

Parcela considerável dos deputados e senadores foram eleitos devido a montanha de rescursos oriunda de doadores de campanha de empresas interessadas em bom investimento. Ou seja, a força do dinheiro, mais do que qualquer outra coisa, elegeu um amontoado de interesses escusos.

Mas é importante lembrar que esta legislatura não se resume à corrupção. Ela tem um perfil: é conservadora socialmente, atrasada do ponto de vista dos direitos humanos, temerária em questões ambientais, liberal economicamente e pulverizada partidariamente. A análise é de estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Representa, portanto, uma parcela considerável da sociedade no que diz respeito à visão de mundo e ação diante desse mundo.

Nesse contexto, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele respeitasse os fundamentos mais básicos da democracia e também atuavam para fiscalizá-lo. Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional ajudava a manter o Parlamento dentro de algumas balizas democráticas. Com o tempo, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o pragmatismo político exacerbado dos governos do PSDB e do PT.

Ao mesmo tempo, houve um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário. Mas uma parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores acabaram falando por interesses corporativistas ou por si mesmas. O desgate com relação aos sindicalistas também por conta da proximidade de muitos deles com o PT levou à redução de sua bancada na eleição de 2014, o que facilitou a aprovação da Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização Ampla, por exemplo. Por outro lado, empresários são sempre bem representados. Em sua maioria, podem financiar suas próprias campanhas. Dessa forma, há uma distorção de representatividade: não são necessariamente grupos ou ideias que possuem assento, mas o dinheiro.

A violência é um problema real no Brasil. Dezenas de milhares são assassinados anualmente e muito pouco é investigado, menos ainda indiciado, uma pequena fração julgada e quase ninguém punido conforme a lei. Mas as narrativas da violência urbana, que já existiam, circulam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinados formadores de opinião que espalham o ódio e o terror. O uso abusivo desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando as bancadas da bala e da segurança pública. Elas, por sua vez, agem de forma aberta para liberar o uso de armas e endurecer penas, o que joga apenas mais gasolina na fogueira.

O número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo nas últimas eleições. Havia uma sub-representação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Bancada Ruralista, que também cresceu junto com a força econômica do agronegócio. Como o resto da população, evangélicos podem ser conservadores e progressistas. O grupo que opta pelo fundamentalismo religioso como linha de ação é pequeno, mas bem organizado e barulhento.

Por fim, há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para "mudar o mundo" quanto para militantes, ativistas e figuras públicas que defendam os direitos fundamentais e a democracia. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Nas eleições de 2014, muitas dessas pessoas quiseram distância, acreditando ser melhor transformar a sociedade pelo "lado de fora" do que entrar naquela zorra.

Com um índice alto de rejeição do Congresso Nacional, a dúvida é se esse grupo aceitará o desafio de fazer parte da vida política-partidária, arejando o debate público e trazendo ética e compromisso social. Ou se o caminho estará livre para pessoas que defendem que a solução passa pela restrição de liberdades e o aumento do autoritarismo a fim de garantir uma falsa ordem e segurança à população. Teremos essa resposta na abertura das urnas em outubro de 2018.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.