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Leonardo Sakamoto

O problema de Temer não é a falta de popularidade, mas de legitimidade

Leonardo Sakamoto

08/12/2017 14h42

"Usei a minha impopularidade para fazer as reformas necessárias", afirmou Michel Temer, nesta sexta (8), em um evento que reuniu empresários na capital paulista. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 71% dos brasileiros considera seu governo ruim ou péssimo.

Em dezembro do ano passado, Temer havia dado um depoimento semelhante, mas cismava em não se entregar por completo à realidade: "Um governo com popularidade extraordinária não poderia tomar medidas impopulares. Estou aproveitando a suposta impopularidade para tomar medidas impopulares".

Provavelmente a aspereza de 2017, com tanta gente torcendo para que fosse afastado e processado pelo Supremo Tribunal Federal, levou ao ocupante do Palácio do Planalto a se dar conta de que não é suposição. Ele realmente não é a última cocada do tabuleiro e está longe de ganhar o concurso do mais-mais na balada da escola.

Parte dessa impopularidade se deve à situação da economia brasileira e à taxa de desemprego superior a 12%. Não dá para dizer que ele simplesmente herdou a situação, uma vez que fazia parte do governo petista e das decisões equivocadas na área tomadas por ele. E o processo de impeachment, que ele ajudou a capitanear, apenas levou mais instabilidade a uma já combalida economia.

Outros componentes dessa impopularidade, porém, estão inteiramente na conta dele. Como o fato de conspirar a céu aberto contra Dilma Rousseff – lembrando que o brasileiro adora ver uma traição, mas detesta o traidor. Ou a quantidade de casos de corrupção envolvendo a si mesmo – foi o primeiro presidente denunciado criminalmente ainda no cargo pela Procuradoria-Geral da República. E envolvendo seus amigos, que fazem ou faziam parte da cúpula do governo – quem pode esquecer das imagens do apartamento da felicidade de Geddel Vieira Lima com seus R$ 51 milhões, por exemplo. Desconfio que mesmo se o Brasil estivesse surfando em bons índices de crescimento econômico, ainda assim não teria a popularidade de seus antecessores por conta do conjunto apresentado acima.

Temer chama de "reformas necessárias" mudanças apoiadas pelo mercado financeiro, grandes empresas e poder econômico. Mas que não foram suficientemente debatidas com o restante da sociedade e, de acordo com as pesquisas de opinião, são rechaçadas por uma parcela considerável dela. Ele diz que é corajoso por estar aplicando um remédio amargo que ninguém mais aplicaria. Mas, na verdade, é antidemocrático porque o projeto de país trazido por suas reformas não foi validado pelas urnas e, portanto, não tem legitimidade.

O país precisa  de uma Reforma da Previdência porque envelheceu. Mas não esta, feita a toque de caixa, e que deve causar danos a grupos mais vulneráveis, como o trabalhador rural – apesar que o governo siga em negação. O país também precisa de uma atualização e simplificação da CLT. Mas o governo e o Congresso atropelaram a discussão, impondo um projeto construído em cima de propostas trazidas por confederações empresariais, recolhida em votos vencidos pró-empresa no Tribunal Superior do Trabalho e acrescidas de interesses paroquiais de deputados e seus patrocinadores.

O país também precisa de uma Reforma Tributária com justiça social, com a taxação de dividendos recebidos pelos mais ricos e a implementação de alíquotas maiores no Imposto de Renda para quem ganha muito. Mas isso ele faz questão de esquecer, ainda mais em um discurso para empresários. Afinal de contas, o combinado é que o custo da crise seja pago com a dignidade dos trabalhadores, jogando a zica para longe da elite.

Mas ele tem razão. Apenas um governo que não foi eleito e que não deve ser reeleito e, por isso, não está preso à viabilidade eleitoral, é capaz de aprovar uma quantidade grande de propostas e projetos que retiram direitos dos trabalhadores e de grupos mais vulneráveis sem a devida discussão com a sociedade. E em um espaço de tempo tão curto.

Um governo com a guilhotina da Lava Jato no pescoço, que se deixou sequestrar por uma relação fisiológica com o Congresso Nacional e que conta com o apoio condicionado do poder econômico enquanto for útil.

"Usei a minha impopularidade para sobreviver", deve rir para si mesmo um maroto Michel Temer.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.