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Leonardo Sakamoto

Temer quer comprar voto de deputado com dinheiro que ainda não existe?

Leonardo Sakamoto

10/01/2018 09h54

O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS). Foto: Marco Miatelo

Temer está propondo distribuir R$ 10 bilhões que ainda não existem, oriundos de uma eventual economia obtida da mudança nas aposentadorias, para bancar a compra de votos de deputados no intuito de ajudar a aprovar a própria Reforma da Previdência. De acordo com reportagem na Folha de S.Paulo, desta quarta (10), os valores serão usados na finalização de obras em redutos eleitorais de quem estiver ao seu lado.

O governo calcula que a população, feliz que seu deputado entregou asfalto, concreto e linhas de transmissão, esquecerá que ele também votou pela mudança em sua aposentadoria.

Há quem defenda esse tipo de ação, citando levantamentos que mostram que, em outras ocasiões, o impacto negativo de mexer na Previdência foi compensado pelo investimento em obras em redutos eleitorais dos parlamentares.

A meu ver, a comparação não é válida. O presidente não era Temer, com sua aprovação de um dígito. Nem existiam redes sociais para que o eleitorado fosse informado das ações do parlamentar de sua região e pudesse "flodar" sua caixa postal de críticas. E a internet ainda não funcionava como uma grande memória coletiva, que pode ser resgatada nos momentos de eleição, no melhor estilo "Eu sei o que vocês fizeram no verão passado".

Mas não creio que as obras pagas por essas emendas funcionarão como compensação junto à população. Ela já está querendo ir à forra contra uma das piores legislaturas da República. Votar pela Previdência não será, portanto, a causa de uma não-reeleição de um deputado. Será a gota d'água que faltava.

A solicitação de emendas para atender demandas justas da população faz parte da democracia. O problema é quando o processo de sua liberação inclui tomaladacás. A tática, claro, foi sistematicamente utilizada por todos os governos até aqui. Mas quando tudo é muito escrachado, dobra a azia.

Enquanto isso, o governo federal despejou dezenas de milhões de reais em propaganda pró-reforma em veículos de comunicação e agências de publicidade, com especial atenção a rádios e TVs do Nordeste. São campanhas feitas não para informar sobre o tema e abrir um debate com todos os lados da questão, mas de convencer. O Poder Executivo gasta dinheiro público para deixar claro ao país de que sua reforma é boa, enquanto os opositores à proposta não têm a mesma facilidade para divulgar os argumentos contrários. Se vivéssemos em uma democracia, isso seria preocupante.

Com o discurso de que está lutando contra privilégios de um grupo de pensionistas, o governo esconde que, sim, a proposta vai causar impactos entre os que se aposentam com menos. Por exemplo, mesmo com todas as mudanças no texto original, a pensão de quem se aposenta por idade, com 15 anos de contribuição, deve cair de 85% do valor integral para 60%, entre outros problemas que resistem.

Se o governo quisesse realmente lutar contra privilégios, deveria ter tentado taxar dividendos recebidos de grandes empresas. E ampliar alíquotas do Imposto de Rendas, de 30% e 40%, para quem ganha muito, isentando boa parte da classe média. Pois as mudanças aprovadas pelo governo estão aprofundando a desigualdade social e econômica no país, tirando dos pobres para manter o dos muito ricos.

O ponto é que o arsenal do governo não se reduz a isso. À frente dele, Temer colocou Carlos Marun (MDB-MS), como um dos comandantes para vencer a guerra pela Previdência. Ao afirmar que empréstimos aos Estados via Caixa Econômica Federal estariam condicionados ao apoio dos governadores pela reforma e depois, na maior cara de pau, negar a chantagem e atacar os próprios governadores, Marun se mostrou a pessoa certa para a função.

Se o governo foi capaz de rifar o combate ao trabalho escravo, publicando uma portaria que dificultava o resgate de pessoas, a fim de ajudar a salvar o pescoço presidencial de denúncias criminais no âmbito da Lava Jato, imagina-se o que ele é capaz de fazer neste mês de fevereiro, quando irá para o tudo ou nada. Liberação de recursos que ainda não existem é apenas a ponta do iceberg. Eu, se fosse você, mantinha minha carteira ou bolsa sempre visíveis.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.