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Leonardo Sakamoto

Qual pergunta você faria a Temer se pudesse?

Leonardo Sakamoto

13/01/2018 14h23

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Michel Temer vai responder às 50 perguntas encaminhadas pela Polícia Federal sobre o inquérito sobre o suposto esquema de corrupção no porto de Santos. No ano passado, ele havia ignorado outras 82 indagações feitas pela PF no inquérito que o acusou de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa no caso que envolveu os donos do JBS.

Na torcida de que ele esteja de bom humor, encaminho 30 questões que me vieram à cabeça e que gostaria que ele respondesse também:

1) Por que o governo publicou uma portaria dificultando a libertação de escravos, reivindicação histórica da bancada ruralista, pouco tempo antes da votação da segunda denúncia criminal contra o senhor na Câmara dos Deputados?

2) Por que o senhor criticou o resgate de pessoas escravizadas de um canteiro de obra de uma grande empreiteira, afirmando que a libertação havia ocorrido por falta de uma saboneteira no banheiro, omitindo outras quatro dezenas de autuações, como o não pagamento de salários, alojamentos superlotados e condições inadequadas de higiene?

3) O senhor confirma que a Reforma Trabalhista foi inspirada por demandas apresentadas por confederações empresariais e posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários?

4) Como uma Reforma Trabalhista que diz privilegiar a negociação entre patrões e trabalhadores não foi minimamente negociada com as centrais sindicais? Isso não parece uma contradição grave?

5) Como responde às críticas de que a Reforma Trabalhista, do jeito que está posta, é incapaz de gerar uma melhoria contínua na produtividade do trabalho, de promover postos de trabalho decente e de ajudar o país a migrar  de uma matriz produtiva arcaica para uma que tenha maior valor agregado? O senhor não teme que sua reforma leve a uma "espanholização" da economia, com geração de empregos, mas de má qualidade?

6) O senhor se aposentou aos 55 anos de idade como procurador do Estado de São Paulo, tendo direito a uma confortável pensão. Contudo, já afirmou que essa é a prova de que o sistema não é justo e precisa mudar. Está disposto, então, a abrir mão desse "privilégio", de forma retroativa, como forma de servir de exemplo ao país?

7) Por que as medidas para tirar o país da crise adotadas por seu governo atingiram principalmente os trabalhadores e protegeu os empresários? Não seria justo que a chicotada tivesse sido maior nos mais ricos, que têm um colchão de proteção maior que os mais pobres? Nesse sentido, por que o seu governo adiou a discussão sobre a taxação de dividendos recebidos de grandes empresas? E por que evitou que fosse adiante o debate sobre a criação de alíquotas do Imposto de Rendas, de 30% e 40%, para quem ganha muito, aumentando, ao mesmo tempo, a isenção para a maior parte da classe média?

8) Por que gastar milhões com propaganda na TV do seu projeto de reforma da Previdência se apenas deputados e senadores votam no projeto? Aliás, o senhor realmente considera republicano gastar dinheiro do Estado para fazer propaganda de um projeto que está em discussão no Congresso?

9) Como o senhor se defende da acusação de que as mudanças estruturais tocadas por seu governo, como a aprovação da PEC do Teto dos Gastos, que congelou gastos públicos em áreas como educação e saúde por 20 anos, irão aprofundar a desigualdade social e econômica no país, tirando dos pobres para manter o dos muito ricos?

10) Por que o senhor tem preferido falar em eventos organizados por empresários e não sentar para explicar à massa de trabalhadores as reformas, sendo que elas afetam diretamente a qualidade de vida deste segundo grupo?

11) O senhor autorizou o uso das Forças Armadas contra os manifestantes que ocuparam a Esplanada dos Ministérios contra as Reformas Trabalhista e da Previdência em maio do ano passado. Como avalia as críticas de que isso foi um indício de seu pouco apreço pela democracia?

12) A sua amizade com o ministro Gilmar Mendes é sincera ou é por interesse?

13) A violência no campo chegou a números alarmantes sob a sua gestão, com chacinas e assassinatos, atingindo camponeses, trabalhadores rurais e populações tradicionais. Ao mesmo tempo, um grupo violento de ruralistas tem se sentido à vontade para agir como quiser, afirmando que o governo está a seu lado. O senhor confirma essa informação?

14) O Brasil tem registrado mais de 60 mil assassinatos por ano. Nas periferias das grandes cidades, há um genocídio de jovens negros e pobres. Ao mesmo tempo, acções criminosas controlam os presídios e decapitam pessoas. A política de "guerra às drogas" é claramente um fracasso, mas o governo segue agindo como se ela fosse a solução. O senhor vai continuar a enxugar gelo como os governos anteriores?

15) O apoio a religiosos fundamentalistas no Congresso Nacional, que defendem um visão restrita de família e fomentam discursos violentos contra a população LGBTT, vale tanto a ponto de nos empurrar em direção ao Brasil Colônia?

16) O seu primeiro ministério ficou notabilizado por ser um grupo de homens brancos. O senhor não encontrou número suficiente de mulheres e pessoas negras para o primeiro escalão de seu governo ou eles não existem na bolha de rede social em que está inserido?

17) O senhor tem conhecimento de outros apartamentos habitados por caixas e mala de dinheiro, como aquele descoberto em Salvador e imputado ao seu amigo Geddel Vieira Lima com R$ 51 milhões?

18) O senhor já defendeu a adoção de um modelo parlamentarista ou "semipresidencialista", seja lá o que isso queira dizer. A ideia já foi derrotada nas urnas nos plebiscitos de 1963 e 1993. Também não vingou na Assembleia Constituinte de 1988. Acha justo que isso ocorra agora por iniciativa exclusiva de 594 congressistas?

19) Como o senhor concilia seu discurso de rigor fiscal com liberação de emendas pra se manter no poder?

20) Quanto de recursos públicos foram gastos para garantir os votos dos deputados federais a fim de que rejeitassem a primeira denúncia criminal movida pela Procuradoria-Geral da República contra o senhor por corrupção passiva?

21) No mesmo sentido, quanto de recursos públicos foram gastos para garantir os votos dos deputados federais a fim de que rejeitassem a segunda denúncia criminal movida pela Procuradoria-Geral da República contra o senhor por obstrução de Justiça e organização criminosa?

22) O senhor poderia listar quais projetos de leis foram apoiados pelo governo em troca de apoio da rejeição das duas denúncias acima citadas? A quem beneficiaram?

23) Qual a perda de arrecadação do governo com a renegociação das dívidas previdenciárias do setor agropecuário, que ocorreu no momento em que o senhor buscava votos para rejeitar a denúncia contra o senhor na Câmara dos Deputados?

24) E qual o montante de perda de arrecadação com o Refis aprovado pelo Congresso Nacional que facilitou a dívida de parlamentares-empresários e de grandes empresas, também durante a busca por votos para rejeitar a denúncia?

25) O que o senhor e os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha conversaram momentos antes do senhor negar que renunciaria após vir à tona o escândalo da gravação da JBS?

26) Vamos falar um pouco sobre participação do senhor no impeachment de Dilma Rousseff. Quando o senhor sacou que estava tudo errado e que seria um melhor presidente que Dilma? Falou sobre isso com quais políticos e empresários? E com Eduardo Cunha?

27) Quem participou da elaboração daquele seu discurso de que era necessário alguém para unificar o Brasil, lembrando que ele ocorreu antes da cassação de Dilma?

28) Muitos acusam o senhor de ter conspirado abertamente pela queda da Presidente da República. Não seria melhor ter mantido um distanciamento como o de Itamar Franco em relação a Collor para evitar esse tipo de entendimento?

29) O senhor fez parte da chapa eleitoral com Dilma Rousseff duas vezes. Como, então, responsabiliza o governo anterior por todos os problemas, sendo que foi dele vice duas vezes? Após conviver quatro anos com ela, não percebeu que o governo era uma fria? Por que aceitou ser vice novamente?

30) O senhor e Dilma foram muito mal avaliados em popularidade, segundo as pesquisas de opinião. Mas como vê o fato de ter conseguido ser pior avaliado do que alguém que sofreu impeachment? Deseja que as pessoas gostem do senhor ou 7% delas já está de bom tamanho?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.