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Leonardo Sakamoto

A questão de Cristiane Brasil não é moral, mas legal. Já a do governo...

Leonardo Sakamoto

15/01/2018 19h43

Cristiane Brasil (PTB-RJ) ao lado do pai, Roberto Jefferson Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Ao defender a indicação de Cristiane Brasil para a pasta do Trabalho, o ministro responsável pela articulação política do governo, Carlos Marun, afirmou que, a princípio, não são "nem imorais, nem amorais" empregadores que perdem ações na Justiça do Trabalho. A posse de Cristiane está suspensa pela Justiça Federal sob a justificativa da proteção da "moralidade administrativa" por conta das condenações trabalhistas que sofreu.

Como ja escrevi aqui mais de uma vez, melhor seria se Marun tivesse dito que a questão principal que envolve o caso de Cristiane Brasil não é de moralidade, mas legalidade. Michel Temer tem o direito constitucional, como presidente, de indicar a deputada federal para o cargo. O Poder Judiciário não pode interferir em um ato político do Poder Executivo quando não há previsão legal para que isso aconteça. Por mais que a escolha da filha de Roberto Jefferson não seja uma escolha razoável. Por mais que Temer não devesse nem estar lá.

A Presidência da República, por outro lado, deveria ter checado os antecedentes antes de indica-la. Teria constatado um histórico de calotes em direitos de empregados particulares e não estaria agora com esse pepino na mão.

Ou não. Afinal esse governo é um desbravador. Adora tanto um fundo do poço que, provavelmente, iria indica-la e pagar para ver o que acontece.

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Mas também é fascinante ver o ministro falar de moralidade. Logo ele que admitiu publicamente que o Palácio do Planalto iria condicionar a liberação de financiamento da Caixa Econômica Federal aos Estados à pressão de governadores sobre deputados federais pela aprovação da Reforma da Previdência no final de dezembro.

"Financiamentos da Caixa Econômica Federal são ações de governo, o governador poderia tomar esse financiamento no Bradesco, não sei aonde. Nesse sentido, entendemos que deve sim ser discutido com esses governantes alguma reciprocidade no sentido de que seja aprovada a Reforma da Previdência", havia afirmado o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Na ocasião, ele disse que isso não se chamava "chantagem", mas "ação de governo". Depois, quando a história pegou mal, disse que não havia dito o que realmente dissera.

Não à toa Marun foi escolhido para ministro-chefe da Secretaria de Governo, cargo que ficou conhecido por organizar o mercado a céu aberto em que se transformou a relação entre o Executivo e o Legislativo. Em uma de suas várias peripécias, usou do dinheiro do contribuinte para ir visitar seu amigão, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, na prisão em Curitiba.

A grande maioria dos empregadores que perdem ações trabalhistas não são imorais, apenas tiveram seu interesse indeferido à luz da interpretação da lei. Contudo, há empresários que perdem na Justiça do Trabalho que se esforçam para jogar no lixo a moralidade.

Por exemplo, parte daqueles que submetem trabalhadores a condições análogas às de escravo, seja através de condições degradantes e jornadas exaustivas, seja pelo trabalho forçado ou pela servidão por dívida.

O governo federal, em outubro do ano passado, bem que tentou fazer com que produtores rurais, empresas de construção civil ou do vestuário têxtil, entre outros, que usaram esse tipo de exploração deixassem de ser vistos como imorais. Como? Mudando o conceito do que é trabalho escravo e dificultando o resgate de pessoas.

Após forte pressão da sociedade, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a portaria que orientava essa alteração. E, sem saída, o governo acabou por revogá-la no final de dezembro.

Espera-se que alguém à frente da pasta do Trabalho seja capaz de mediar os conflitos existentes entre governos, empresários e empregados. E, ao mesmo tempo, permaneça firme ao garantir o mínimo constitucional de dignidade e de respeito aos trabalhadores – que tendem a ser a perna mais fraca desse tripé. O que o governo deve se perguntar é se um candidato ou uma candidata à vaga cumpre essa exigência. E muitos se perguntam como Cristiane Brasil – condenada por não assinar a carteira de trabalho, nem pagar direitos trabalhistas básicos a um motorista que a acusou de jornadas de 15 horas diárias, por exemplo – seria capaz de dar a última palavra sobre a Secretaria de Inspeção do Trabalho, responsável por garantir a assinatura de carteiras, o pagamento de direitos e controlar o limite de jornadas.

Por fim, o Mato Grosso do Sul, unidade da federação que elegeu Marun, foi o sétimo maior fornecedor de mão de obra escrava entre 1995 e 2016, de acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra. E a situação não é novidade por lá: o Brasil começou a combater sistematicamente esse crime fiscalizando pastagens na Amazônia e carvoarias no Mato Grosso do Sul.

Fico curioso em saber como Marun enquadraria algumas das grandes empresas de seu Estado, entre elas grandes indústrias sucroalcooleiras, flagradas por esse crime e que passaram pela "lista suja" do trabalho escravo? "Imorais", "amorais" ou "exemplos a serem seguidos"?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.