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Leonardo Sakamoto

Roberto Jefferson prova que não faz ideia do que seja a Justiça do Trabalho

Leonardo Sakamoto

17/01/2018 19h21

Foto: Wilson Pedrosa/Agência Estado

Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, atacou a Justiça do Trabalho, em entrevista à Folha de S.Paulo desta quarta (17), chamando-a de cara, desnecessária, socialista, populista. Para isso, despejou uma série de números que não batem com aqueles disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho e trouxe estatísticas que carecem de confirmação.

Não parecia a declaração do líder de um partido que carrega "trabalhista" no nome. Mas o pai ressentido de uma deputada impedida por uma decisão judicial (incorreta, como já afirmado aqui, uma vez que a lei não proíbe sua indicação) de assumir o Ministério do Trabalho por ter sido condenada por um juiz do Trabalho ao não garantir direitos a seus motoristas particulares.

Comecemos pelos números. Jefferson afirmou que a Justiça do Trabalho custou, no ano passado, R$ 22 bilhões. O Relatório Geral da Justiça do Trabalho, divulgado em 2017, com dados de 2016, pelo Tribunal Superior do Trabalho, aponta que as despesas desse ramo do Poder Judiciário foram de R$ 17.562.413.919,13. Ou seja, R$ 5 bilhões a menos que o informado pelo presidente do PTB.

Roberto Jefferson também disse que as "soluções entre indenizações e acordos" proporcionados pela Justiça do Trabalho não chegaram a totalizar R$ 8 bilhões. Contudo, o mesmo relatório mostra que foram pagos aos reclamantes R$ 24,35 bilhões. Os valores decorrentes de acordos judiciais representaram 37,1% do total e os decorrentes da execução da sentença representaram 52,8%.

Além dos recursos entregues a trabalhadores e empresários, a Justiça do Trabalho também conseguiu resgatar em prol da sociedade parte do valor negado em forma de sonegação. Ou seja, R$ 2,5 bilhões para a Previdência Social e R$ 407 milhões ao Imposto de Renda. Somando esses dois números às custas processuais, multas e emolumentos arrecadados, temos um total de mais de R$ 3,27 bilhões que foram para os cofres públicos via Judiciário trabalhista.

Jefferson também disse na entrevista que temos 85% das reclamações trabalhistas do mundo, sem trazer fontes para isso. A Organização Internacional do Trabalho e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos desconhecem dados e estatísticas que façam essas comparações.

Afirmações similares já foram feitas pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, durante uma palestra no Reino Unido, por empresários do setor têxtil, por políticos ao defenderem a Reforma Trabalhista, entre outros.

Mas as citações carecem de fontes com comprovações. O que tem ocorrido é um imenso telefone sem fio, com um senador citando um ministro que, por sua vez, citou um empresário e por aí vai. No fim, a informação acaba ganhando uma aura de "verdade" devido à credibilidade emprestada dos atores públicos que a usaram e não pela capacidade de confirmação do fato em si.

A principal fonte acadêmica da tese que o Brasil é campeão em ações trabalhistas é José Pastore, professor e pesquisador da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Dada a repercussão sobre essa afirmação na mídia no ano passado, Cássio Casagrande, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense, em um longo e didático artigo para o site Jota, desconstruiu a metodologia usada por Pastore. Mostrou que o colega, por exemplo, considerou apenas as ações movidas em âmbito federal nos Estados Unidos, desconsiderando que a quantidade de processos nas unidades daquela federação é muitas vezes maior. Ou seja, o número usado por Pastore não se sustenta para uma comparação com o Brasil.

Ricardo Marchesan, do UOL, através de uma longa checagem sobre o caso, também mostra que não há dados que possibilitem afirmar que o Brasil é campeão em ações trabalhistas.

Roberto Jefferson também defendeu o fim da Justiça do Trabalho. Claro que seria ótimo viver em um país em que ela fosse desnecessária. Com todo o respeito a procuradores e magistrados que atuam nessa área, mas adoraria que chegasse o momento em que a maioria deles fosse dispensada porque passamos a respeitar leis e contratos.

Dados do Relatório Justiça em Números 2018 (ano-base 2017), divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que o item "Rescisão do Contrato de Trabalho e Verbas Rescisórias" representou 11,51% do total de processos ingressados na Justiça em 2017, sendo novamente o assunto mais recorrente no Poder Judiciário brasileiro. No total, foram 5.847.967 de novos processos. A Justiça do Trabalho representou 15% do total de processos ingressados naquele ano. Vale ressaltar que o alto número relacionado à rescisão também decorre do fato que a Justiça do Trabalho conta com uma quantidade menor de assuntos cadastrados, ao contrário da Justiça Estadual.

Verbas rescisórias não pagas ou pagas em valor menor do que o estipulado legalmente após uma demissão dizem respeito não apenas a salários, mas também a outros direitos, como aqueles previstos no artigo 7o da Constituição Federal, tais como aviso prévio, férias e adicional de férias, 13o salário, FGTS. O tamanho monumental desse número não mostra uma "indústria de reclamações", mas evidencia o descumprimento sistemático e em larga escala das obrigações mais básicas do contrato de trabalho. Vale lembrar que o respeito pelo contrato de compra e venda da força de trabalho é a base do capitalismo.

Quando o trabalhador perde seu emprego e não recebe as verbas rescisórias, fica comprometida a própria relação de sobrevivência, dele e de sua família. Se ele não encontra um sindicato atuante, estruturado, fortalecido e honesto para representar seus interesses, sobra para o Judiciário trabalhista.

Alertamos que, antes de uma Reforma Trabalhista, deveria ter ocorrido uma Reforma Sindical. Em que fosse discutido não apenas o fim do imposto sindical obrigatório, mas também o fim do monopólio de representação de um sindicato por cidade ou região, levando às organizações a competirem entre si para ver quem melhor representaria os trabalhadores. E, claro, a possibilidade de um sindicato representar todos os trabalhadores de um mesmo setor econômico, do operário da linha de montagem, passando pelo operário da fornecedora de autopeças até o terceirizado da limpeza. Mas isso significaria equilibrar o jogo, o que levaria muita gente a perder dinheiro.

Se com uma Justiça trabalhista sobrecarregada, as demandas dos trabalhadores não são atendidas, imagine sem essa instância de mediação na relação capital e trabalho.

Há também uma outra consequência positiva da atuação desse ramo da Justiça que Roberto Jefferson desconsidera em seu cálculo utilitarista (e numericamente equivocado), que é o processo civilizatório. Ou seja, enquadrar a relação entre capital e trabalho dentro dos parâmetros mínimos dos direitos fundamentais.

Usinas do interior paulista operavam há anos sem um único cortador de cana em suas folhas de pagamento, apesar de milhares deles trabalharem diariamente em suas lavouras de cana. Ao obrigar, o empresariado a contratar diretamente esses empregados ao invés de usarem artifícios para reduzir os custos de produção, deixando claro que emprego não é favor, a Justiça do Trabalho deu um passo a mais para longe da herança escravista que moldou as relações trabalhistas brasileiras.

Ao mesmo tempo, quando o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho atuam para manter funcionando o sistema de combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo e operam contra a desigualdade de direitos de mulheres e negros no mercado de trabalho, entre outras ações, o beneficiado não é apenas o trabalhador ou a trabalhadora, mas toda a coletividade. Porque liberdade e dignidade são valores cujo desrespeito atinge a todos e não apenas aos envolvidos diretamente.

Esse custo, muitas vezes não contabilizado, vale o investimento. Porque diz respeito ao tipo de país que desejamos construir.

Com suas declarações, Roberto Jefferson fez coro com o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ). Quando o político que, na ausência de Michel Temer, assume a Presidência da República, afirma que a "Justiça do Trabalho não deveria nem existir", pode ter certeza que a vida dos trabalhadores não está fácil.

Como não podem acabar com a Justiça do Trabalho, ambos ajudam a conduzir uma das piores legislaturas da Câmara dos Deputados da história, reduzindo as situações em que os trabalhadores podem aciona-la. A Lei da Terceirização Ampla, por exemplo, tende a levar a relação entre empregado e patrão a se transformar, e muitos casos, em uma relação entre grande empresário e microempresário.

É paradigmático que, em meio a uma grave crise econômica, a Justiça do Trabalho seja alvo de críticas disparadas a partir de lideranças do Congresso Nacional, de membros do Supremo Tribunal Federal e de diferentes níveis do Poder Executivo, fazendo coro a diferentes associações empresariais. Pois tudo depende do nosso lugar de fala.

A Justiça do Trabalho deveria ser aprimorada e fortalecida. E não se tornar alvo de críticas de outros poderes visando à sua extinção.  O problema é que, como já disse aqui, é difícil explicar isso a um país em que parte da elite e do poder público tem saudade do pelourinho ou da polícia como solução às reivindicações dos trabalhadores.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.