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Leonardo Sakamoto

Justiça Federal no DF adere à campanha "Lula 2018" ao apreender passaporte

Leonardo Sakamoto

26/01/2018 05h12

Nelson Almeida/AFP

Lula sabe que suas maiores chances de se manter longe da cadeia e vivo na política dependem de continuar pré-candidato à Presidência da República. Terá que tentar reverter ou, ao menos, suspender sua condenação em segunda instância e suspender sua inegibilidade até que a Justiça Eleitoral dê a palavra final sobre o seu registro de candidatura. O que, para ele, na pior das hipóteses, significaria a segunda semana de setembro.

Solto, continuaria denunciando uma narrativa que envolve ideias fortes como perseguição e golpe, o que aprofundaria a mitificação em torno de si. Preso, seria transformado em mártir. Longe das ruas, a militância trataria de vender uma versão tupiniquim do sebastianismo, com o retorno daquele que traria, de volta, a geração de empregos e a segurança. Tratei desses cenários em um texto após a condenação nesta quarta (24).

Diante disso, é totalmente desconectada da realidade a justificativa que acompanha a decisão do juiz substituto Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, que determinou tanto a apreensão do passaporte quanto o aviso à fronteira para que não o deixe sair do país, segundo reportagem de Rubens Valente, do jornal Folha de S.Paulo. Ela atende a um pedido do Ministério Público Federal do Distrito Federal, que afirmou haver um "risco concreto" de fuga após a condenação em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região, e tem caráter liminar.

Apesar do pedido ter sido feito no âmbito de outra ação penal, na qual Lula é acusado de tráfico de influência no processo de compra de caças para a Força Aérea, a decisão diz que o risco de fuga ocorre após o TRF-4 ter confirmado a condenação por conta de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso envolvendo a OAS e o triplex do Guarujá. Entre outras palavras, atores de um processo da Operação Zelotes preocupados com os desdobramentos da Operação Lava Jato.

De acordo com a decisão, o magistrado considera que Lula "não se esquiva de uma tentativa de fixar domicílio em algum outro país" para tentar, de lá, fazer sua defesa e criticar a Justiça. Ou seja, a partir das declarações do ex-presidente de que não será preso (o que é natural que faça a seus partidários), o juiz teme que ele peça asilo em algum lugar sem possibilidade de extradição.

A assessoria de Lula e do PT estão aproveitando este período que precede a divulgação do resultado da análise dos embargos de declaração pelo TRF-4 para organizar caravanas pelo Brasil, semelhantes às já realizadas no Nordeste e Sudeste. Elas deveriam ocorrer após viagem em que ele participaria de um evento na Etiópia. Sua presença, que já havia sido divulgada pela imprensa em dia 15 de janeiro, foi cancelada devido à decisão da Justiça Federal.

Não faz sentido a hipótese de que Lula trocaria as caravanas, uma pré-campanha e a articulação de apoio por um asilo que, para lhe ser útil, dependeria da arregimentação do apoio de uma comunidade de nações que, até agora, não se mostrou disposta a participar dessa briga. Pelo menos, nenhum país relevante do ponto de vista geopolítico e econômico.

Além da pá de cal que isso representaria à sua campanha presidencial, um asilo o deixaria distante das decisões judiciais sobre sua própria vida, o que não encaixa no perfil do ex-presidente. Isso sem contar que optar pela fuga significaria uma imediata confissão de culpa junto a uma parte da população. Ficaria difícil sustentar o discurso de "condenado injustamente" diante das pechas de "foragido internacional" ou, simplesmente, "fujão" sendo bombardeadas dia e noite.

Os procuradores e o magistrado do Distrito Federal podem ter aproveitado o momento para chamar atenção ao seu caso. Seria uma forma estranha, mas plausível.

Para alguns, essa decisão é capaz de ajudar na construção da imagem de um Lula desesperado que, a partir da condenação em segunda instância, faria de tudo para ficar fora do xilindró, inclusive escafeder-se da Justiça.

Particularmente, creio que a Justiça fez a Lula um favor. Afinal, esse tipo de argumentação, que costuma povoar textos conspiratórios nas redes sociais, pode acabar fortalecendo o discurso de que está sendo perseguido. Se fossem os desembargadores do TRF-4 que tivessem definido a apreensão do passaporte seria compreensível, uma vez que seria parte do processo. Mas não foi o caso, portanto tem cara de arbitrariedade.

Se continuarem pipocando surpresas como essa, é bem possível que a figura de mártir seja construída em torno dele antes do que se imaginava. E, consequentemente, sua intenção de voto nas eleições presidenciais de outubro cresça ainda mais diante do conjunto dos outros pré-candidatos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.