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Leonardo Sakamoto

Temer diz que não vão com sua cara. Falta afeto? Não, sobra racionalidade

Leonardo Sakamoto

31/01/2018 17h08

"Às vezes, as pessoas não vão com a minha cara. Dizem 'não vou com a cara desse Temer'. Não tem problema. O problema é analisar de maneira fria o que está sendo feito no meu governo."

A declaração de Temer a uma rádio na Bahia, nesta quarta (31), é intrigante. Qual será a razão das pessoas não irem com  a cara dele?

Bem, quanto a isso, ele não está errado. Apenas 6% aprovam seu governo. O número é semelhante aos 5% de José Sarney na época da crise da hiperinflação. Coincidentemente, Temer é autor de poesia, tendo reunido algumas delas no livro "Anônima Intimidade", e o ex-presidente maranhense – autor de Marimbondos de Fogo – também é.

Talvez pense, portanto, que o povo não gosta de presidentes poetas. Particularmente, desconfio que a causa não seja afetiva, mas extremamente racional.

Ao contrário do que prega o preconceito do senso comum, a classe trabalhadora é bastante pragmática em seus cálculos políticos. Ela verifica se sua vida melhorou ou está melhorando e qual a perspectiva para que isso aconteça ou continue acontecendo.

Daí, quando percebe que o governo se esforça para aprovar projetos que jogam o custo da crise econômica apenas nas costas dos mais pobres, livrando os mais ricos de contribuírem, o povo não vai com a cara de Temer.

Ou quando vê o governo exigir que todos apertem o cinto enquanto ele próprio gasta bilhões dos cofres públicos em perdões de dívidas de grandes empresários com o intuito de comprar o voto de parlamentares a fim de livrar Temer de denúncias de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça, o povo também não vai com a cara de Temer.

Tivemos a aprovação da PEC do Teto dos Gastos (congelando investimentos para a melhoria do serviço público por 20 anos e afetando áreas como educação e saúde), da Lei da Terceirização Ampla (precarizando trabalhadores e impondo a eles perdas salariais e aumentos de jornadas, enquanto reduz custos do grande empresariado) e da Reforma Trabalhista (que deve reduzir a proteção à saúde e à segurança do trabalhador e aumentar a lucratividade e a competitividade de grandes empresas). E o governo tenta empurrar goela abaixo a Reforma da Previdência.

Então, quem vai com a cara de Temer?

São políticos com a lâmina da guilhotina da Lava Jato no pescoço que buscam refúgio no poder; deputados que vendem seus votos por emendas parlamentares e cargos no governo; grandes empresários e parte do mercado que dão suporte a Temer desde que ele reduza o Estado de proteção social em nome da competitividade e de lucros; ruralistas que tentam barganhar seu apoio em troca de direitos de populações indígenas e da legislação ambiental; e uma parcela mais rica da população, feliz que o custo da crise não tenha caído em seu colo.

É por conta de interesses desses, que representam uma pequena fatia da população, que Temer continua lá.

Diante de parte de um povo atordoado com uma situação que parece melhorar a conta-gotas, de grupos alienados que acham que o único problema do país é a corrupção, de pessoas bestializadas que assistem a tudo pela TV sem esperança de que algo mude e da falta de organização e de um projeto com alternativas, esses interesses vão se mantendo.

Pelo contrário, é Temer que não vai com a cara do trabalhador.

Quando um governo não respeita o seu povo, a melhor maneira de resolver o problema seria devolver ao povo o direito de escolher diretamente alguém em que ele confie e que confie nele. Isso pode acontecer em outubro. E, dependendo das decisões dos tribunais superiores, ocorrerá apenas parcialmente. Como consequência, podemos ver crescer o número daqueles que perdem a fé na política como a arena das soluções da vida cotidiana e na democracia.

Essa é a análise fria pedida pelo presidente. O problema não é o povo entender isso, afinal ele sente na pele em seu dia a dia. Mas Temer parar de fingir que acredita que o problema não é com ele.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.