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Leonardo Sakamoto

Depois de espancar a CLT, Temer riu dos trabalhadores com Cristiane Brasil

Leonardo Sakamoto

06/02/2018 13h55

Foto: Alan Marques/Folhapress

A palavra "governabilidade" é sussurrada eternamente nos ouvidos daqueles que caem no nono círculo do Inferno, de Dante Alighieri, o mais profundo de todos, reservado aos traidores. Entretanto, em Brasília, ela sempre  teve lugar de destaque, servida em suntuosos jantares políticos, ao lado de canapés feitos de ingredientes vencidos e falsos uísques engarrafados sob o rótulo de puro malte, em que enganar o trabalhador é o prato principal.

Michel Temer, em uma ode à governabilidade, indicou a deputada federal Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, ao cargo de ministra do Trabalho. A Justiça Federal considerou que as condenações trabalhistas que ela sofreu por negar direitos básicos a ex-motoristas era o suficiente para suspender sua posse.

Defendi, mais de uma vez neste espaço, a visão de juristas que afirmaram que, apesar de moralmente equivocada, sua indicação não é inconstitucional. Mas também defendi que seria mais fácil para todo mundo, principalmente aos editores de dicionários, se Temer parasse de torturar o significado das palavras "ética" e "razão" a fim de agradar o dono do PTB e escolhesse um nome melhor.

Cristiane Brasil parece ser uma fonte inesgotável de pautas aos jornais. E, desde que começou sua batalha nos tribunais para tentar efetivar a si mesma, tem permanecido nos holofotes de forma bastante negativa. Quanto mais investiga, mais coisa aparece. No blockbuster de terror "O Estranho Vídeo da Lancha", por exemplo, levou bronca pública do próprio pai que #LacrouNasRedesSociais com um pito na filha. No caso, sem cerimônias, ela assumiu desconhecer as leis trabalhistas e deixou a entender que, no papel de mediadora entre capital e trabalho, será infantaria do primeiro grupo.

As denúncias de associação ao tráfico e de constrangimento de funcionários, tudo em busca de votos, são a cereja do bolo.

A persistência no nome de Cristiane Brasil mostrou que o presidente fez de tudo pelos votos do PTB na Reforma da Previdência e em outras pautas sensíveis ao mercado e ao poder econômico. Inclusive expor o país a um show de horrores, sem pudor de reafirmar que seu governo é um grande loteamento. E que aquele ministério tem proprietário.

Temer empurrou goela abaixo da população uma Reforma Trabalhista, que não estava no projeto de país vendido pela chapa Dilma/Temer nas eleições de 2014. Da mesma forma, aprovou uma Lei da Terceirização Ampla, abrindo a possibilidade de precarização de uma massa de trabalhadores.

Mais do que nunca o Ministério do Trabalho deveria ser coordenado por alguém que conheça a fundo a CLT (ou o que restou dela), as convenções da Organização Internacional do Trabalho das quais o país é signatário e que conte com experiência no diálogo tripartite entre patrões, empregados e governo. Alguém capaz de mediar os conflitos que surgirão de todas essas mudanças legais.

Afinal, o governo já havia colocado à frente do ministério Ronaldo Nogueira, que topava tudo. Inclusive assinar, em outubro do ano passado, a malfadada portaria que dificultou o combate ao trabalho escravo, levando o país a ser motivo de vergonha internacional até que a vigência das novas regras de fiscalização fosse suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal. Claro que a ideia não foi dele – partiu do Palácio do Planalto e do Ministério do Planejamento, com base em solicitação de grandes empreiteiras, aproveitando pauta histórica da bancada ruralista. Mas, ainda assim, um ministro do Trabalho que topa algo desse naipe e vai à público defender o indefensável é coisa que não se vê todo dia.

Imaginou-se que nada podia ser pior. A realidade, essa marota, mostrou mais uma vez que, no fundo do poço, tem um alçapão. E o período de assentamento das interpretações legais das mudanças, que terão efeito direto na fiscalização coordenada pelo ministério, pode ser gerido por alguém sem a mínima qualificação para tanto.

O governo quer que o partido indique outra pessoa. Ao que tudo indica, os perfis dos que se acotovelam no PTB (que de trabalhista só tem o nome) para ficar com a vaga, caso Roberto Jefferson aceite abrir mão do cargo para a filha, mostram que a situação não deve ser muito melhor do que está.

Governabilidade. Palavra que justifica tudo, inclusive rifar o trabalhador em nome do trabalhador.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.