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Leonardo Sakamoto

Supremo pode conceder liberdade para grávidas e mães presas sem condenação

Leonardo Sakamoto

16/02/2018 18h24

Por Eloisa Machado*, especial para o blog

A prisão para cumprir pena antes de uma condenação transitada em julgado é inconstitucional. A prisão antes de qualquer condenação é absolutamente excepcional. Prender gestantes, puérperas ou mães de crianças até 12 ainda mais. A regra da lei é: deixá-las soltas até serem condenadas em definitivo.

Excepcionalmente, em prisão domiciliar. Presa provisoriamente nessa situação? Quase nunca.

Está na Constituição Federal, nos Tratados Internacionais. É óbvio e justo. É direito da acusada. É direito da criança.

Mas, por aqui, isso não quer dizer nada.

Mais de 43% das mulheres encarceradas no país são presas provisórias, por ordens judiciais padronizadas e sem a devida fundamentação. Mais de 60% das vezes por "envolvimento com o tráfico" – que pode ocorrer simplesmente pela mulher residir no local onde foram encontradas drogas.

Isso sem falar dos muitos casos onde a detenção ocorre pela apreensão de pequenas quantidades – conduta que está prestes a ser descriminalizada pelo Supremo Tribunal Federal, mas que continua a gerar encarceramento em massa de homens e mulheres.

Dos anos 2000 para cá, na esteira de uma série de entendimentos restritivos de direitos e ampliadores da tipificação de tráfico de drogas, a população carcerária feminina saltou de 5 mil para quase 50 mil.

Cerca de 80% das mulheres presas são as únicas responsáveis por seus filhos. E é exatamente por esta razão que a lei tornou a prisão provisória de mulheres gestantes, puérperas ou mães de crianças até 12 anos tão excepcional.

A situação dessas mulheres talvez seja o maior exemplo da resistência à aplicação da lei, de violação de direitos, da seletividade do sistema de Justiça.

Resistência em aplicar a lei? Sim. É escandaloso o uso indiscriminado de prisão provisória. Infelizmente, no Brasil, cadeia é lugar para aqueles que não foram julgados. É lugar de violação de direitos, de tuberculose, sífilis, sarna, fome, frio. É lugar para ser degradado.

Para as mulheres gestantes ou puérperas, é local de abandono e sujeira, doenças, medo. Para as crianças, o cárcere é a sua vida.

Um recém-nascido ficou preso junto com a mãe, detida por porte de 90 gramas de maconha, em um distrito policial em São Paulo. A Justiça negou o habeas corpus. Dias depois, ela foi transferida para uma penitenciária com berçário. Foto: Reprodução

As violações aos direitos das pessoas encarceradas são tão endêmicas que o Supremo Tribunal Federal precisou declarar um "estado de coisas inconstitucional" em todo o sistema prisional brasileiro, assumindo que ele desrespeita todas as nossas leis.

Seletividade do sistema de Justiça significa que a lei é desrespeitada mais para um grupo do que para outro. Mulheres ricas acusadas, mães ou não, dificilmente permanecem presas provisoriamente. Já as mães pobres são encarceradas e seus filhos duplamente prejudicados – pela falta da mãe e pela ausência de acolhimento fora do cárcere. Essas crianças não têm apoio do Estado, contam com suas mães e mais ninguém.

Que a lei se aplique. E a todas.

É isso que pede o habeas corpus coletivo de minha autoria e de Nathalie Fragoso, Bruna Angotti, Hilem Oliveira, André Ferreira – advogadas e advogado pro bono, todos do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

O HC 143.641 será julgado dia 20 de fevereiro pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal e solicita que todas as mulheres gestantes, puérperas ou mães de crianças pequenas no Brasil aguardem o julgamento em liberdade ou em prisão domiciliar.

Que a lei se aplique. E a todas.

(*) Eloísa Machado é professora da FGV Direito SP, especialista em direitos humanos e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.