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Leonardo Sakamoto

O governo Temer, que conspirou para nascer, pode reclamar de conspiração?

Leonardo Sakamoto

30/03/2018 14h25

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Um governo que nasceu de uma conspiração tem moral para reclamar de conspirações? O governo Michel Temer acha que sim.

"Nós entendemos que a decisão do presidente de colocar a possibilidade de que venha a disputar a reeleição faz com que novamente se dirijam contra nós os canhões da conspiração", afirmou Carlos Marun, ministro responsável pela articulação política do Palácio do Planalto.

Ele se referia à operação da Polícia Federal que prendeu um amigo (o empresário José Yunes), um faz-tudo (o coronel João Batista Lima Filho) e um parceiro de negócios (Antônio Crecco, dono da Rodrimar), entre outros aliados de Temer nesta quinta (29).

A ação ocorreu a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge dentro de uma investigação que tenta comprovar  se Temer recebeu propina para beneficiar empresas do setor portuário. Se isso ocorrer, ele será alvo de uma terceira denúncia criminal e, dessa vez, há chances de não conseguir comprar os votos necessários para se safar.

Temer sabe que se a geração de empregos seguir derrapando nos números do IBGE e a segurança pública não apresentar um respiro, perderá para um rinoceronte saudável – se o TSE e um zoológico autorizarem o registro de sua candidatura. A intenção de concorrer em outubro não é baseada em pretensões reais, mas com o objetivo de defender seu "legado" e subir o custo do apoio da máquina pública a outro candidato. O preço pode ser um foro privilegiado para chamar de seu quando ele ficar sem o mandato em janeiro.

Até aí a gente entende. Mas falar de conspiração é muita, mas muita cara de pau.

Não importa se você considera que houve impeachment legal ou golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. Há de convir que Temer não teve um comportamento como o de Itamar Franco diante da queda de Fernando Collor. Pelo contrário, vendeu-se como o único capaz de tirar o país da crise e aplicar as reformar liberalizantes desejadas pelo poder econômico, enquanto prometia salvar políticos que eram alvos da Lava Jato e ajudar a aprofundar o Congresso Nacional como um balcão de negócios.

Temer conspirou a céu aberto e, no momento da votação do impeachment, torceu como em final de Copa do Mundo. Foi um grande um  7 a 1, com muita gente de boa vontade vestida de amarelo fazendo o jogo dele e de seus apoiadores. Pois vieram Reforma Trabalhista, PEC do Teto dos Gastos, perdões de dívidas bilionárias a ricos empresários e fazendeiros. Para os trabalhadores e os micro e pequenos empresários? Senta lá, Cláudia.

Uma cassação de mandato de Dilma Rousseff deveria vir de onde havia elementos, como a utilização de caixa 2 nas eleições presidenciais de 2014. Apeá-la de um cargo alcançado democraticamente por conta da emissão de créditos suplementares/pedaladas fiscais foi forçação de barra. Instituições foram esgarçadas para que o impeachment coubesse nas necessidades do poder econômico e da velha política. Agora, pagamos todos o preço do esgarçamento de leis e regras e o consequente "foda-se" a tudo aquilo que nos une como um país.

É verdade que Marun segue as palavras do próprio chefe. Em setembro do ano passado, o presidente afirmou: "Sabe-se que, contra mim, armou-se conspiração de múltiplos propósitos. Conspiraram para deixar impunes os maiores criminosos confessos do Brasil, finalmente presos, porque sempre apontamos seus inúmeros delitos", disse ele – que falava dos donos da JBS.

Há indícios de que Joesley Batista armou contra ele para gravar a conversa e se livrar? Sim. Mas isso não dá a Temer o direito de reclamar de conspirações. Se ele rasgou as regras do jogo, como pode reclamar que não façam o mesmo contra ele? Afinal, o mais honesto dessa turma negociaria a mãe.

Naquele momento, Temer também afirmou que "a única vacina contra essa marcha da insensatez é a verdade". Concordo.

Vai, Temer, fale tudo o que sabe. Abra seu coração sobre as suas relações com o setor portuário. Fale sobre os esquemas do MDB, de José Sarney a Luiz Fernando Pezão. E não se esqueça de dizer de quem Carlos Marun estava falando sobre a conspiração contra você. Falta alguém com coragem de jogar luz sobre a relação entre Brasília e o grande capital. Você pode por fim à marcha da insensatez e à hipocrisia.

Mas corre, porque seu conselheiro Gilmar Mendes volta ao país em breve e não vai te deixar fazer isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.