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Leonardo Sakamoto

Aécio tornou-se réu, mas Justiça continua seletiva ao combater corrupção

Leonardo Sakamoto

18/04/2018 19h46

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

"Eu espero que Deus ilumine os desembargadores." Condenado em segunda instância a quase 21 anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro, em agosto de 2017, o ex-governador Eduardo Azeredo pode ser preso caso sejam negados seus recursos na semana que vem. Ele reclamou ao jornal O Estado de S.Paulo que está sendo entregue como compensação para aplacar a fome por um tucano em meio às prisões de petistas no âmbito da Operação Lava Jato.

Mesmo que ele seja preso, contudo, a Justiça não terá provado que inexiste seletividade no combate à corrupção no Brasil.

E apesar da quantidade de pessoas que saudaram a transformação de Aécio Neves em réu por corrupção passiva e obstrução de justiça pelo Supremo Tribunal Federal como prova de equilíbrio da Justiça, isso não resolve a piada involuntária contida na expressão "a lei é para todos". Até porque muitos internautas nem entenderam a piada.

Não estou aqui para minimizar as acusações contra petistas e seus aliados. Todos devem pagar pelos crimes que cometeram caso fique provado seu delito com evidências sólidas e atos de ofício. Mas chega a ser nonsense vender a ideia de que a prisão de Lula tem o mesmo peso que o combo Prisão de Azeredo mais Aécio-réu.

Se neste momento o ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, estivesse bem colocado nas pesquisas de intenção de votos e a Justiça o condenasse, de forma célere, em segunda instância em decorrência das delações da Odebrecht, seria um indicativo de que a seletividade é um mito. Mas o Superior Tribunal de Justiça encaminhou o caso para a Justiça Eleitoral ao invés da Justiça Federal. Se por um lado, isso tranquilizou o governador e enervou abutres que seguem de olho na vaga de candidato tucano à Presidência, por outro alimentou a desconfiança de quem acredita que o Judiciário tem suas preferências.

E esse teatro não é feito a portas fechadas, mas a olhos vistos. Em junho do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral contrariou o relator Herman Benjamin e absolveu a campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer de crime eleitoral por 4 votos a 3. Isso garantiu uma sobrevida ao governo de Temer. Para isso, foi ignorada farta quantidade de provas e evidências apresentadas, mostrando que PT e PMDB se beneficiaram de caixa 2 na eleição de 2014.

Naquele julgamento, a vitória só foi possível graças à atuação constrangedora de Gilmar Mendes, amigo pessoal de Temer, que acumulou as funções de presidente da corte e advogado de defesa. Se Dilma Rousseff fosse a presidente, a decisão teria sido outra. Mas como não interessava ao poder econômico (que galopava um pato amarelo em direção a um Brasil de reformas e perdões de dívidas públicas), nem ao poder político (que buscava se salvar da Lava Jato, encher os bolsos e ter apoio ao seu projeto de regresso à Idade Média), muito menos a Dilma, cujo advogada defendia sua inocência, ficou por isso mesmo.

A "faxina" promovida pelo combate à corrupção não atingiu todo o espectro partidário envolvido em denúncias. Não adianta dizer que o PT estava no governo federal desde 2003 porque o PSDB estava entre 1995 e 2002 e o PMDB e outras anêmonas ideológicas estavam lá desde sempre. Isso sem contar que o mesmo chorume que corre sob o Palácio do Planalto também flui por governos estaduais, prefeituras, parlamentos. E, não nos esqueçamos, por quartéis, da polícia às Forças Armadas.

A Justiça no Brasil sempre foi seletiva. Sua velocidade depende de quem são os réus, seu pedigree e conta bancária. Pode ser mais rápida ou mais lenta de acordo com a necessidade. E mais ou menos condescendente também. A história da Operação Lava Jato é uma história de vazamentos seletivos, aliás. Informações que, divulgadas pela imprensa aos poucos e com ênfase em determinados personagens, foram construindo uma narrativa que aponta quem são os "únicos" responsáveis pela corrupção e como funcionam as relações incestuosas entre parte das elites política e econômica do país.

Por conta da seletividade nos vazamentos e seus desdobramentos, não temos a história inteira e talvez nunca tenhamos. Vazamentos que caibam dentro de uma narrativa não costumam ser punidos ou questionados. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, por exemplo, reclama de parte deles. De outros, não.

O então ministro da Justiça Alexandre de Moraes antecipou uma operação da Polícia Federal no âmbito da Lava Jato em uma palestra para simpatizantes em Ribeirão Preto (SP). Foi criticado na época e deixou de ser ministro da Justiça. Foi promovido, incluindo o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal ao currículo que já incluía o posto de Secretário de Segurança Pública de Geraldo Alckmin.

"Eu espero que Deus ilumine os desembargadores", diz Eduardo Azeredo.

"Eu espero que Deus ilumine os eleitores", penso eu.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.