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Leonardo Sakamoto

Com regra própria, local de prisão de Lula opera como "fábrica de delator"

Leonardo Sakamoto

25/04/2018 11h35

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Na estrutura da operação Lava Jato, a sede da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente Lula cumpre pena, tem funcionado como uma espécie de "fábrica de delatores".

Acusados de crimes no âmbito da Lava Jato são mantidos presos de forma provisória (sem condenação em segunda instância), por longos períodos de tempo. Podem receber a visita apenas de advogados (a qualquer dia) e familiares (em dias determinados).

E a pressão dos familiares são uma das principais razões que levam detentos a decidirem por delatar o que sabem e o que não sabem, como me explicou uma pessoa ligada a alguém que passou uma temporada naquela carceragem.

Não raro, são "amaciados" o bastante para colaborarem com a Justiça. Antonio Palocci é um exemplo. O ex-ministro da Fazenda, que ajudou com seus depoimentos a construir a narrativa que a Lava Jato desejava para ajudar na punição de Lula, tem encontrado dificuldades para fazer sua colaboração premiada. O problema não é que ele sabe de menos, pelo contrário. Como ele pode entregar bancos e grandes empresas, a Lava Jato parece estar rachada quanto a aceitar que ele abra o pico sobre o poder econômico.

Isto não é uma crítica à colaboração premiada – qualquer caminho que facilite a solução de crimes e a restituição de valores à sociedade, traga compensações por danos e reduza o tempo de encarceramento de pessoas deve ser vista com bons olhos. O problema é a perversão do instrumento, com a extensão indefinida da prisão provisória e a retirada de garantias previstas pela Lei de Execução Penal, como a visita de amigos, que ajudam a reduzir a pressão.

Quem apoia incondicionalmente a operação afirma que o método é válido para extrair confissões de desvios milionários de recursos públicos que, caso contrário, não viriam à luz. Os que a criticam defendem que a lei não pode se valer de métodos ilegais para cumprir suas funções.

Nesse sentido, vale explicar que amigos podem visitar um preso em dias determinados. Ou seja, não é algo que caiba a um juiz negar, mas buscar formas para o seu cumprimento, por estar previsto da Lei de Execução Penal.

Da mesma forma, não adianta algum amigo aparecer na porta e pedir para entrar sem autorização, mesmo que tenha ganho um Nobel, que isso não está previsto em lei e não vai acontecer.

No caso do ex-presidente Lula, o dia de visitas de familiares tem sido às quintas-feiras. Há uma série de condicionantes que variam de local para local, mas os regulamentos internos não podem se sobrepor ao que está previsto em lei. Caso o lugar de cumprimento da pena não esteja preparado para tanto, ele deve ser adaptado ou o preso transferido. Desconfio, contudo, que o Estado brasileiro tem pesadelos com a hipótese de Lula ser colocado em um local com menos garantias para sua segurança e ser ferido.

Nada impede, contudo, que ele receba visitas de comissões de parlamentares a qualquer dia e hora, como a de deputados que foi barrada pela Justiça. Deve-se encontrar a melhor forma disso acontecer, mas a negativa é inaceitável.

Ao impedir o direito de acesso de Lula a amigos, conforme previsto em lei, a Justiça vai além de suas atribuições. Pode haver interesse em manter o petista isolado, reduzindo sua capacidade de articulação. Mas, ao mesmo tempo, a liberação pode criar um problema para o ambiente criado para delações.

"Analisa-se, no caso em exame, limitação de cunho geral relativa a visitas na carceragem da Superintendência da Polícia Federal. Apenas familiares são autorizados a visitar os detentos, sem prejuízo do acesso aos advogados", afirmou a juíza Carolina Lebbos, responsável pelo caso prisional do ex-presidente, segundo o UOL.  "O alargamento das possibilidades de visitas a um detento, ante as necessidades logísticas demandadas, poderia prejudicar as medidas necessárias à garantia do direito de visitação dos demais".

Da mesma forma, a garantia de efetivação de direito previsto a um detento é extensível aos outros detentos. Não que pessoas como o empreiteiro Léo Pinheiro ou Antonio Palocci sejam as mais populares do mundo, muito pelo contrário. Mas o que se discute é que visitas de amigos sejam garantidas, mesmo que não sejam realizadas.

Tudo isso, contudo, como resume a professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta Eloísa Machado, é a "cereja do bolo" dos problemas relacionados ao caso de Lula, uma vez que sua prisão antes do trânsito em julgado vai contra a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.

Talvez ele nem estivesse preso se a ministra Cármen Lúcia tivesse colocado em discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal as ações que questionam a possibilidade de execução provisória de pena após condenação em segunda instância. Mas ela preferiu que a corte analisasse um caso específico antes daquele de repercussão geral – que não tem previsão para ir à apreciação.

Como me disse um taxista, nesta terça: "Detesto o Lula, mas por que só o homem tá preso? E sem poder ser visitado pelos amigos. E o Aécio continua aí, soltinho. Daí, é sacanagem".

Fica difícil retrucar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.