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Leonardo Sakamoto

Declaração de Ciro é a velha política que quer resolver tudo sendo machista

Leonardo Sakamoto

26/04/2018 19h04

Foto: Adriano Machado/Reuters

"Você acha que um marginal como Eduardo Cunha me derrubaria? É preciso ser muito mais homem que eu para me derrubar."

Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência da República, presta um desserviço ao país com declarações como esta, dada nesta quinta (26). Pois a relação que ele faz, naturalmente, entre "homem" e "poder" e "competência", mostra que isso está lá dentro, presente em sua visão de mundo. Ela veio a público em meio a um discurso em que criticava o impeachment de Dilma Rousseff.

Como alguém que deseja ser um líder de um país – onde mulheres são sistematicamente tratadas por nós, homens, como cidadãs de segunda classe, objetos descartáveis ou mão de obra barata – não se debruçou a refletir sobre a importância da linguagem na construção e manutenção do machismo no cotidiano e agido para corrigir o rumo? Ainda mais ele que, repetidas vezes, foi criticado por declarações semelhantes.

Em todos os cenários analisados na última pesquisa Datafolha, Ciro Gomes contava com menos votos no público feminino.

Afirmar que isso foi "só brincadeira", "é culpa do hábito", "todo mundo fala" ou dizer algo como "lá vem a turma da patrulha dos direitos humanos" não tira o peso negativo das declarações dadas por ele. Muito menos o seu impacto como exemplo. Mas aproxima quem usa esses argumentos daqueles que fazem parte da claque de outro candidato à Presidência, que afirmou que não estupraria uma deputada porque ela não merecia – entre outras aberrações misóginas.

Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for. Não é censura, pelo contrário. Esses são atos para ajudar a garantir que as mulheres possam desfrutar da mesmo liberdade que nós temos – liberdade que nossos atos e palavras sistematicamente negam a elas. Mesmo – e principalmente – quando não percebemos isso.

O constrangimento público às ações machistas é uma arma poderosa e precisa ser usada insistentemente. Nós homens precisamos entender que esse tipo de discurso não cabe mais no mundo em que estamos. Na verdade, nunca couber, mas nós somos pródigos em calar aquilo que mostra que estamos errados.

Precisamos qualificar o debate com os outros homens. Isso não significa tornar o dia a dia chato e moralista. Atuar para que percebam, desde pequenos, a complexidade do mundo em que vivem e a construir um novo sentido para as coisas. Um sentido que não trate mulheres como objetos frágeis para cuidar, incapazes para salvar ou úteis para usar.

Essa qualificação, é claro, vem de um processo que também envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. Em tese, seria lento, porque passa pela formação de visão de mundo. Mas mulheres continuam a ser assediadas, agredidas, estupradas e mortas simplesmente por serem mulheres na segunda década do século 21. Portanto, não temos o luxo de contar com esse tempo. E se isso não pode começar na política, estamos perdidos.

Ciro é um dos políticos mais inteligentes do país, portanto capaz de se adaptar. Todos nós, homens, temos que nos educar para combater a estrutura simbólica para perpetuação do machismo que nós mesmos criamos – ainda mais quando isso é justificado como parte de uma suposta "cultura". É a liberdade para a crítica e a capacidade de mudança a partir dessa crítica que nos diferencia daqueles que têm orgulho de se dizer ultraconservadores.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.