Brasil "exporta" haters na Copa para mostrar que é craque no linchamento
Insatisfeitos com a arbitragem do mexicano César Ramos no empate com a Suíça, hordas alucinadas de brasileiros caçaram-no para expressar seu ódio em redes sociais. De acordo com o blog #Hashtag, da Folha de S.Paulo, os haters erraram o alvo duas vezes, xingando – aos milhares – homônimos que não tinham nada a ver com a história.
Não se espera muita reflexão e raciocínio de hordas que abraçam o linchamento, sejam ele dentro ou fora da rede. Mas não é todo dia que vemos um caso de linchamento triplamente burro.
Não foi o único caso. Inconformados com a marcação do meia suíço Valor Behrami sobre Neymar, brasileiros atacaram o jogador nas redes sociais. Assim como atacarão outros jogadores e árbitros nas próximas partidas. E, se perdermos, os próprios jogadores brasileiros serão os alvos. Isso sem falar que as reclamações sobre o comportamento bizarro da torcida brasileira, na rede ou fora dela, são antigas em vários esportes.
Uma coisa é reclamar diante de algo visto como injusto, o que faz parte do jogo. Outra é linchar e perseguir alguém. Muitos são os que não sabem quando termina a crítica contundente e começa a agressão violenta. Ficam em dúvida se caminham com duas pernas ou quatro cascos.
O comportamento não é novo, muito menos um monopólio brasileiro, mas aumenta a cada Copa do Mundo à medida em que cresce a quantidade de pessoas conectadas na internet por aqui. E considerando que são muitos os que ainda acreditam que a tela do celular ou do computador é uma garantia de anonimato e acham que o ambiente virtual é terra de ninguém, conseguimos mostrar ao mundo o que há de pior no ser humano em eventos como esse.
Parte dos perfis raivosos é de gente que posta conteúdo descontrolado e violento sobre política, como é possível verificar em uma rápida checagem. E há gente de todas as colorações ideológicas nessa lacuna de civilidade – apesar de ser possível constatar uma alta incidência entre os seguidores daquele político especializado em ódio.
Por mais que entendamos os processos que levam à desumanização do adversário ou mesmo os mecanismos que fazem com que pessoas pacatas se tornem monstros descontrolados quando em bando, não consigo deixar de considerar tosca uma pessoa que vai caçar outra nas redes sociais apenas para xingar por conta de um jogo de futebol. Porque, no fundo, não é o futebol o motivo da agressão. Há algo maior lá embaixo. O futebol é apenas o instrumento de descarga.
Poderíamos falar de nosso machismo, em que educamos meninos para se comportarem como monstrinhos. Ou da incapacidade de lidar com a falta de sentido ou de controle da própria vida, transferindo frustração do dia a dia para um ato de violência protegido pelo anonimato da manada. Ou ainda do isolamento digital, físico ou social que leva à desumanização e dificulta o reconhecimento da outra pessoa como detentor dos mesmos direitos.
O sujeito que usa da violência para espancar outros torcedores é incapaz de canalizar a energia para o que realmente afeta sua dignidade e se organizar, coletivamente, para resolver problemas. Preferem seguir "líderes" que propõem soluções fáceis e violentas para o vazio que ostentam no peito. Como as lideranças que prometem paz através da imposição do silêncio ao outro – seja esse outro o adversário que diz que seu time é o melhor, seja homossexuais, transexuais, mulheres, entre outros, que exigem ser tratados com os mesmos direitos. Temos visto isso por declarações de jogadores de futebol que dizem apoiar políticos violentos que prometem a imposição do silêncio se eleitos como presidentes.
Nesse contexto, há torcidas políticas que abandonam a razão muito antes que alguns torcedores de times de futebol. Pois apesar de muitos destes estarem envolvidos em atos de barbárie e selvageria, seus componentes não sabem quando o seu time dá vexame, protestam contra os dirigentes, vaiam a própria esquadra, reconhecem jogadas de craque do adversário. Mas não é assim com muita gente que se torna torcedora fanática na política e adota ares de seita fundamentalista religiosa, dividindo o mundo entre o divino e o satânico.
Claro que, em última instância, há também aqueles com sérios distúrbios psicológicos ou, mesmo, sociopatas que se escondem em grupos políticos ou torcidas de futebol para praticar seus delitos, sem senso moral ou responsabilidade, sem sentimento de culpa ou reflexão sobre as consequências. E estou excluindo desta discussão aqueles que são pagos para tocar o terror e agredir fisicamente um grupo adversário. Esses, independentemente de sua coloração, entram na categoria de mercenários e deveriam ser analisados como tais.
Sabemos, é claro, que temos um déficit de formação para a cultura do debate e para a convivência com a diferença e que, infelizmente, não somos educados, desde cedo, para saber ouvir, falar, respeitar e, a partir daí, construir consensos ou saber lidar com o dissenso. Não somos educados para a tolerância e a noção de limites.
Parte dos brasileiros foi ensinado que a violência é o principal instrumento de resolução de conflitos. Por falta ou fraqueza de instituições públicas ou sociais confiáveis que assumam esse papel, por achar que alguns possuem mais direitos que outros por conta de dinheiro ou de músculos, por alguma patologia que nunca consegui entender muito bem.
Há uma minoria de violentos, como já disse aqui. Na política, no futebol, na religião. E que, portanto, deveria ser tratada ou expelida por seus companheiros políticos, suas torcidas, os outros fiéis. O problema é que o resto da sociedade, por cumplicidade ou indiferença, segue no papel de refém e espectadora de um show de horrores que parece não ter fim.
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