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Leonardo Sakamoto

A depressão pós-Copa é pelo fim do bolão ou o início da eleição?

Leonardo Sakamoto

15/07/2018 20h51

Foto: Cao Can/Reuters

Assim que a França marcou seu quarto gol, na final da Copa, neste domingo (15), veio o sentimento de vazio.

Nem o cacarejo do goleiro Lloris para Mandzukic, entregando um segundo gol à Croácia, foi suficiente para adiar a inexorável verdade: a era do bolão estava chegando ao final.

Em listas de discussão do WhatsApp e do Telegram, uma multidão de órfãs e órfãos perguntava-se o que seria da vida sem o preenchimento pseudocientífico de palpites e os debates inúteis realizados antes, durante e depois dos jogos por conta das apostas.

Como viver o cotidiano sem a felicidade arrebatadora de acertar um placar na mosca de um Coreia do Sul e México? E sem a adrenalina sendo bombada para o coração diante da possibilidade de ser o único a ter imaginado o resultado de um Argentina e Islândia?

Afinal, a consciência de que havia vida (no bolão) após a eliminação nas quartas de final foi a muleta que muitos de nós usou para atravessar incólumes a náusea da desclassificação. Posso não acreditar em Deus e no paraíso, mas acredito no bolão e em seu prêmio.

Desconfio que não sou o único. Vamos ser honestos: não é que a sociedade está mais madura a ponto de aceitar melhor uma derrota para uma seleção que não estava entre as mais tradicionais do futebol. Ou que vive uma apatia tamanha a ponto de aceitar passivamente um sexto lugar na classificação geral da Copa do Mundo de futebol masculino, curtindo a fossa na base de memes. A verdade é que a sociedade simplesmente estava entorpecida pelos bolões.

Como o bolão da Copa do Catar não está logo ali, falta um par de anos até o bolão do futebol das Olimpíadas de Tóquio e um ano tanto para o bolão da Copa América, no Brasil, quanto para o bolão da outra Copa do Mundo, a de futebol feminino, na França, busca-se incansavelmente outra disputa de tiro curto para investir um mico-leão dourado, uma onça-pintada ou, quiçá, uma garoupa.

Considerando isso, não foram poucos os brasileiros que aventaram fazer um bolão das eleições, apostando, primeiro, em quem serão os concorrentes reais após a data-limite do registro das candidaturas em 15 de agosto, depois em seu desempenho em pesquisas eleitorais, na classificação do primeiro turno e nos nomes dos dois finalistas – sem esquecer do vencedor e de seu saldo de gols, quer dizer, número de votos.

Isso apresenta, contudo, alguns problemas.

É mais fácil admirar o futebol do adversário e reconhecer que ele, tecnicamente, teve melhores condições de chegar ao título. Na violência da política ultrapolarizada brasileira de hoje, isso ficou mais difícil – para não dizer, pouco provável. Desde que, em 2014, o lado derrotado não aceitou o resultado (das eleições, não da Copa), o respeito pelas instituições segue ladeira abaixo por aqui. Entre os responsáveis, há gente da direita à esquerda, incluindo o pessoal que se diz de centro e o povo que não sabe o que é direita, esquerda e centro.

Regras, cumpridas pela maioria dos times participantes de um torneio de futebol, são ignoradas na política brasileira atual. Logo de partida nas eleições, há concorrentes que embrulham peixe com a principal regra do jogo,  a Constituição. Outros ainda esperam contar com a complacência de juízes em questões de caixa 2. Os ataques orquestrados por milícias digitais farão com que a entrega de água batizada pelos argentinos ao lateral-esquerdo Branco, nas oitavas de final da Copa de 1990, pareça brincadeira de criança. Sem falar da manipulação tosca da realidade, que correrá solta. Vai ser como hackear o VAR, colocando uma cena – não de Fifa Soccer, mas de Mario Kart – no lugar e o povo acreditar.

Dito isso, percebo que o sentimento de vazio talvez não seja pelo fim dos bolões. Mas pela proximidade da campanha eleitoral, que começa, oficialmente, no mês que vem.

Afinal, há alguns 7 a 1 que, talvez, a gente não seja capaz de superar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.