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Leonardo Sakamoto

Como partidos (de homens) podem dificultar a vida de mulheres candidatas?

Leonardo Sakamoto

02/08/2018 13h07

Michel Temer dá posse a um ministério de homens brancos em 2016. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Apesar do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal terem deixado claro que 30% dos recursos do fundo eleitoral, além da mesma proporção em tempo de rádio e TV, devem ser destinados a candidaturas de mulheres, ainda há dúvidas sobre a interpretação da lei que podem favorecer cúpulas partidárias contrárias a essa política afirmativa.

De acordo com o TSE, dos 513 deputados federais eleitos em outubro de 2014, apenas 51 eram mulheres. Esses 10% não chegam nem perto dos 51,7% de mulheres na sociedade brasileira – de acordo com a última PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2017. Segundo a Justiça Eleitoral, elas perfazem 77.337.918 eleitoras aptas a votar em outubro, ou seja, 52,8% do total.

O STF havia determinado, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5617, que 30% era piso e não teto. Depois, o TSE reafirmou isso, explicando que, caso o número de mulheres ultrapasse esse piso, os recursos devem aumentar na mesma proporção. A Lei das Eleições (9.504/1997) obriga a cota mínima de gênero.

Pode parecer bobagem de tão lógico, mas o sistema partidário brasileiro funciona como um "Clube do Bolinha", dificultando a entrada de novos integrantes. Não está desconectado do tecido social do país, por certo, uma vez que a proporção de mulheres nos conselhos de grandes empresas ou entre o total de cargos executivos também é bem menor que o de homens.

Apesar dos 30% de fundo eleitoral e de tempo de rádio e TV estarem pacificados, a distribuição desse montante ainda não está – e aí reside o problema. Segundo Roberta Gresta, professora de Direito Eleitoral da PUC-Minas e assessora do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, o TSE afirmou que essa cota vale para candidaturas proporcionais e majoritárias. Mas não frisou como isso deve ser calculado ou que os 30% devem ser computados separadamente.

De acordo com a professora, se mulheres concorrerem em chapas majoritárias (presidente, governadoras, senadoras), por exemplo, o partido pode destinar a elas até mais de 30% do total de recursos a serem investidos em uma eleição e dizer que está cumprindo as regras. Mas isso ocorreria em prejuízo às candidaturas proporcionais (deputadas federais, estaduais e distritais), que não receberiam o mínimo de 30% para ajudar a alterar a proporção de mulheres na Câmara dos Deputados e nas Assembleias.

"Outro caso é uma candidata a Câmara dos Deputados, já conhecida e puxadora de votos, ficar com 30% dos recursos sozinha. A rigor isso atende ao TSE", segundo Roberta Gresta. "Mas, na leitura do Ministério Público Eleitoral, pode ser um indício de fraude, pois não estará melhorando a competitividade. A mulher bem votada vai puxar outros homens e não estará beneficiando apenas as mulheres, como pede a interpretação da lei eleitoral."

Aumentar a participação de mulheres significa diminuir a de homens. O problema é que isso tem gerado obstáculos a candidatas, principalmente na política local. Líderes partidários, na sua maioria, homens, chegam ao ponto de atuar para que mulheres conhecidas participem do pleito, para angariar votos a outras candidaturas, mas não tenham tanta exposição a ponto de serem eleitas.

Contando com popularidade menor que broca de dentista, os partidos políticos estão entre as instituições menos confiáveis do país. Fizeram por merecer, claro. O que deveriam ser agremiações que reúnem pessoas para defender determinada visão de mundo, ideologia e projeto nacional acabaram sendo federações de interesses individuais e mercenários a soldo de quem pagar mais. Nem sempre, nem com todos, mas em quantidade o suficiente para jogar a política na lama da descrença.

Como retirar os partidos políticos da UTI e garantir que representem não apenas as diferentes opiniões, mas a sua própria diversidade? O número de mulheres, mas também de negros, indígenas, população LGBT e trabalhadores no Congresso Nacional, por exemplo, é muito inferior do que sua fatia na sociedade. E isso tem impacto direto na formulação de políticas públicas e na defesa de determinados direitos.

É impossível que uma Câmara composta de homens, brancos, héteros, cis, empresários, por mais boa vontade que tenha (e boa parte não tem) possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles. Um homem pode representar determinados interesses de uma mulher no Congresso Nacional ou nas Assembleias? Há aspectos que dizem respeito à vida e dignidade das mulheres que não temos legitimidade para discutir e decidir. Nós, homens cissexuais, não temos útero, por exemplo. Mas muitos acham que são donos dos úteros alheios.

As estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva. A Reforma Política discutiu, discutiu e acabou por facilitar – para o curto prazo – a reeleição de quem já está no poder. Com isso, perdemos uma boa oportunidade para melhorar nossa democracia e reduzir nosso machismo e racismo estruturais.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.