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Leonardo Sakamoto

Fronteira fechada: Por 15 horas, país se nivelou ao que há de pior no mundo

Leonardo Sakamoto

07/08/2018 12h57

Venezuelanos atravessam fronteira e entram no Brasil pelo município de Pacaraima (RR). Foto: Nacho Doce

O Tribunal Regional Federal da 1a Região mandou reabrir a fronteira entre Brasil e Venezuela, nesta terça (7), derrubando a liminar concedida por um juiz federal que havia suspendido a entrada de refugiados venezuelanos.

O pedido de reabertura, feito pelo governo Michel Temer, foi acertado. O país é signatário de compromissos internacionais para proteger refugiados e não pode ignorar uma crise humanitária que ocorre sob o governo Nicolás Maduro. A fronteira chegou a ficar 15 horas fechada, com venezuelanos se aglomerando do outro lado.

Apesar dos estridentes e insensatos protestos pelo fechamento total de fronteiras para refugiados e a expulsão sumária de migrantes sem documentos de permanência que somos obrigados a ler em redes sociais e grupos de WhatsApp, o governo federal tem ignorado tais medidas e não deve adotar nenhuma ação mais extravagante para lidar com o problema.

Contudo, preocupa a crescente quantidade dos que acreditam que os estrangeiros pobres roubam empregos e pioram a crise. Ou que caem no conto da notícia falsa que diz que o Brasil vai gastar bilhões com Bolsa Família para refugiados, tirando da boca dos nativos. Já tratei deste assunto aqui várias vezes, mas acho importante repetir algumas coisas diante da tentativa de bloqueio de nossa fronteira norte – ação que nos nivelou ao que há de pior no mundo em termos de refúgio e migração.

Afinal, muros não são erguidos apenas com concreto e aço.

Grupos radicais culpam refugiados e migrantes por roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos. É mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o Brasil) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade – o que, inclusive, gera recursos através de impostos.

Parte desses estrangeiros sofre em dois turnos: primeiro, fazem o trabalho sujo que poucos querem fazer, limpam latrinas, costuram roupas, recolhem o lixo, extraem carvão, processam gado, constroem casas. E, depois, com o preconceito.

Em São Paulo, ataques violentos a bolivianos e haitianos foram registrados nos últimos anos. Pedidos de devolução de refugiados sírios são lidos nas redes sociais. Ataques xenófobos a venezuelanos são reportados em Roraima. O problema não é com os migrantes ricos e brancos, mas os refugiados econômicos, sociais e ambientais. A verdade é que muita gente, quando questionada, não sabe de onde vem o incômodo que sente ao constatar centenas de venezuelanos, haitianos ou bolivianos andando nas ruas. Mas se fossem loiros escandinavos ricos pedindo estada, a história seria diferente. Ou seja, para muitos, o problema é preconceito mesmo. Com todas as letras.

A história de nosso país, bem como a dos Estados Unidos, é uma história de migrações, de acolher gente (não tão bem, é claro) de todos os cantos do mundo, que vieram fugidos, atrás de algo ou forçados. Mas não podemos esquecer que a maioria de nossos antepassados foi explorada até o osso quando aqui chegou. Pois a esmagadora maioria de nós é descendente desses estrangeiros.

Nossos avós eram os forasteiros que sofriam nas mãos dos estabelecidos. Hoje, somos nós os estabelecidos que criticam os forasteiros. Com exceção, é claro, dos indígenas, que sofreram – e ainda sofrem – um processo lento de genocídio, sendo forasteiros em sua própria terra.

O problema do Brasil não são fronteiras abertas para refugiados venezuelanos, haitianos, sírios. Nosso problema são homens brancos ricos, da elite política ou do poder econômico, que continuam mandando e espoliando o país, jogando os pobres que aqui já estavam contra os pobres que chegam agora.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.