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Leonardo Sakamoto

Brasil, 64 mil mortos: Sob o medo, promessa tosca de campanha faz sucesso

Leonardo Sakamoto

09/08/2018 12h49

Uniforme escolar de Marcos Vinícius, 14anos, morto durante operação da polícia no Rio, manchado com seu sangue. Foto: Mauro Pimentel/AFP

O Brasil teve 63.880 mortes violentas intencionais, em 2017, de acordo com levantamento divulgado, nesta quinta (9), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Isso representou um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior. Foram 55.900 homicídios dolosos (alta de 2,1%), 2.460 latrocínios (queda de 8,2%) e 955 lesões corporais seguidas de morte (alta de 12,3%). Ao todo, 5.144 mortos em intervenções policiais (alta de 20%) e 367 policiais mortos (queda de 4,9%) – um policial morto e 14 mortos por policiais todos os dias.

Também foram registrados 60.018 estupros, 1.133 feminicídios, 4.539 mulheres vítimas de homicídios e 221.238 registros de lesão corporal dolosa em violência doméstica.

E 119.484 armas de fogo apreendidas. Das quais, 13.782 acabaram perdidas, extraviadas ou roubadas.

Esse último número é especialmente sensível. "Em 82% dos homicídios do Rio de Janeiro, a arma vem do mercado legal e, em algum momento, vai para o mercado do crime", afirma o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu a CPI do Tráfico de Armas e Munições, em entrevista ao blog. Ou seja, muito mais do que as armas que vem de uma fronteira mal fiscalizada, existe um mercado de armamento que não é fiscalizado como deveria.

Contudo, o trabalho de inteligência para saber quantas armas estão sendo desviadas para o mercado do crime é muito precário. Esse tipo de esforço demanda integração de informações e de ações entre as Polícias Militar e Civil, Polícia Federal e Forças Armadas – articulação que era esperada na intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro, decretada por Michel Temer.

Porém, a intervenção, sob o comando do Exército não foi capaz de mostrar resultados nesse sentido, muito menos no combate a esquemas de corrupção envolvendo os agentes públicos.

"A polícia apreende armas, que são desviadas para os próprios criminosos", afirma a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Segundo ela, que foi diretora do Departamento do Sistema Penitenciário e ouvidora da polícia do Estado do Rio de Janeiro, esses desvios poderiam ser facilmente investigados se houvesse vontade política.

"Com visitas regulares das corregedorias aos estacionamentos do batalhões de polícia é possível verificar quem possui carros que não são compatíveis com os salários e, a partir daí investigar a origem do dinheiro, por exemplo."

Ela defende uma estratégia de controle externo da polícia, que passe pelo fortalecimento das corregedorias e por uma presença mais efetiva do Ministério Público a fim de verificar o envolvimento de policiais nos desvios de armamentos.

Seria ótimo que, ao invés de propor uma saída fácil, vazia, marqueteira e eleitoreira, candidatos nesta eleição conversassem com as comunidades mais afetadas para construir um plano de ação, evitando soluções impostas de cima para baixo que servem apenas ao controle populacional. E que touxessem a público a discussão sobre a desmilitarização da força policial (o que significa mudar seu treinamento a fim de priorizar a proteção da população antes de matar inimigos), ao mesmo tempo em que buscassem a melhora das condições de trabalho e dos salários dos policiais. E falasse sobre investimento em inteligência policial e cruzamento de dados da segurança pública, além de tornar efetiva a punição – caso seja constatado o envolvimento de policiais em delitos.

Se o debate sobre segurança pública não passar por ações estruturais que melhorem a qualidade de vida, garantam justiça social, permitam que o jovem pobre tenha perspectiva real de futuro, não teremos solução sustentável. E, é claro, rediscutir a fracassada política de "guerra às drogas". Enquanto ela for mantida, o Estado seguirá alimentando o tráfico de armas e promovendo violência.

Com quase 64 mil mortos por causas violentas ao ano, a questão da insegurança pública está entre os principais temas das eleições presidencial e estadual deste ano, ao lado dos 13 milhões de desempregados. Tem sido constante, infelizmente, candidatos que estufam o peito, prometendo letalidade policial e armamento à população para resolver a violência, deixando a (articulação da) inteligência em segundo plano.

Enchem a boca para falar de corrupção na política. Mas ignoram que nossa corrupção é estrutural, com a polícia sendo reflexo do que acontece na política. Com uma política corrupta seria estranho se parte da estrutura de policiamento também não fosse. Diante de indagações de como reduzir essa corrupção, como atacar milícias formadas por policiais e militares, como privilegiar os agentes de segurança honestos e como punir os que rifam a vida alheia em nome de caraminguás, calam-se, mostrando que falta de vontade, conhecimento e coragem. Uma lacuna explosiva.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.