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Leonardo Sakamoto

Em dois vídeos no Twitter, Temer avisa a Alckmin: eu sou você amanhã

Leonardo Sakamoto

05/09/2018 22h44

Michel Temer divulgou um vídeo em sua conta no Twitter, na noite desta quarta (5), para criticar Geraldo Alckmin (PSDB). Mostrando-se irritado, o presidente reclamou das críticas do programa eleitoral do tucano às áreas de Educação, Saúde, Indústria e Comércio e Trabalho de seu governo.

Fez questão de lembrar a Alckmin de que os partidos que comandaram essas áreas – DEM, PP, PRB e PTB, respectivamente – apoiam a candidatura do tucano. "E, se você vier a ganhar a eleição, essa base será sua base governamental." Ainda deu tempo, nos quase dois minutos de vídeo, de jogar na cara de Alckmin que ele teve seu apoio quando candidato a governador e a presidente. Mas, naquela época, achava que ele "era diferente".

Após a repercussão na imprensa e nas redes sociais, Temer postou novo vídeo, na manhã desta quinta, para lembrar Alckmin de que ambos não têm em comum apenas o apoio dos partidos do "Centrão". Mas que o PSDB foi base de seu governo. E citou seus ex-ministros José Serra (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades) E, ao falar do tucano Antonio Imbassahy, que substituiu Geddel Vieira Lima como ministro-chefe da Secretaria de Governo, foi direto: "Levei o PSDB para dentro do Palácio do Planalto".

Na reta final de seu governo, Temer tem adotado a política de não deixar críticas de figuras públicas sem resposta, como a que deu a Caetano Veloso.

Mas essa dupla foi diferente. Político tem grande capacidade de deglutir sapos. Mas traição é especialmente indigesta. E Temer se vê como traído nessa história.

Nas votações tidas como prioritárias pelo governo Temer no Congresso Nacional, o PSDB foi – em média – o partido mais fiel a Temer, com 83,5% dos votos favoráveis, seguido pelo DEM, com 80,7%, e pelo próprio MDB do presidente, com 78,9%, segundo levantamento de Bernardo Caram, da Folha de S.Paulo, publicado em maio.

A fidelidade certamente não é por conta do amor aos poemas de "Anônima Intimidade", escrito pelo ocupante do Palácio do Planalto, mas por ele ter levado a cabo a agenda de reformas liberalizantes defendidas pelo PSDB – que seriam rechaçadas pela população se apresentadas em um processo eleitoral, como agora. Tanto que os tucanos participaram ativamente do seu governo e apenas desembarcaram quando o calendário eleitoral se aproximou.

Entre as reformas, estão a PEC do Teto dos Gastos (que limitou, por 20 anos, investimentos em áreas como educação e saúde), a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista. Com a corda no pescoço da Lava Jato, Michel Temer dependia do apoio do PSDB e do empresariado que o partido representa para permanecer no poder. E sabia que sua melhor chance era mostrar-se capaz de entregar essas encomendas, uma vez que não havia consenso quanto a outra pessoa que pudesse o substitui-lo para executar a tarefa no curto prazo.

A manutenção de Michel Temer e de seu grupo político no poder acabou tendo um preço alto à nação. Tanto no processo de aprovação das referidas reformas, quando nas votações para se salvar nas duas denúncias criminais encaminhadas pelo Supremo Tribunal Federal para análise dos deputados federais. Um mercado de votos foi estabelecido – e o pagamento feito com recursos públicos na forma de dívidas perdoadas e impostos reduzidos.

Temer, com o discurso irônico desta quarta e quinta, acusa Geraldo Alckmin de ataca-lo, apesar de compartilharem dos mesmos "amigos" (o Centrão) e dos tucanos terem sido parte de sua base aliada. Em suma, reclama que o PSDB cospe no prato que comeu e se fartou.

Há um ano, o senador Romero Jucá (MDB-RR) foi bem claro: "Se o PSDB deixar hoje a base vai ficar muito difícil de o (P)MDB apoiá-los nas eleições de 2018. Política é feita de reciprocidade".

A aliança não chegou a vingar. Temer, o presidente com a maior impopularidade da Nova República, ganhando até de Sarney e de dois presidentes que sofreram impeachment, não consegue nem que Henrique Meirelles, o presidenciável de seu partido, o queira por perto.

Nesse sentido, os dois vídeos-desabafo de Temer contra Alckmin parecem tão sinceros que, mais um pouco, o Tribunal Superior Eleitoral poderia até considera-los como campanha irregular a favor do ex-governador de São Paulo, dada a impopularidade do presidente. Se a vaidade de Temer não fosse largamente conhecida, poderíamos imaginar até que isso foi uma encomenda eleitoral.

"Tudo é vaidade", já dizia o livro de Eclesiastes capítulo 1, versículo 2. Diante disso, faz sentido o comentário de um parlamentar de um partido que apoiou o governo ao assistir ao primeiro vídeo: "gostaria de ter a autoestima que ele tem".

Vídeos de quarta (5) à noite e quinta (6) de manhã:

Segue a íntegra da primeira declaração:

"Geraldo Alckmin, candidato a presidente da República, me dirijo a você. A você pelas falsidades que você tem colocado no seu programa eleitoral e eu não posso silenciar em homenagem ao povo brasileiro.

Você diz que a Educação foi um desastre. Você sabe quem foi o meu ministro da Educação? O Mendonça Filho, que é do DEM, um partido que apoia a sua candidatura. E o Mendonça fez um belíssimo trabalho. Primeiro ponto.

Segundo ponto. Você fala mal da Saúde como se a Saúde fosse um desastre. A Saúde melhorou muito no nosso governo, e está com o PP, um partido que apoia sua candidatura, teve três ministérios, continua com três ministérios e ele, Ricardo Barros, que foi ministro, também fez um extraordinário trabalho. E você critica. Critica indevidamente.

Você critica a área de Indústria e Comércio. Você sabe quem foi o ministro? O Marco Pereira. Que é o candidato a deputado federal, do PRB, que apoia sua candidatura. Estava no meu governo e continua no governo e agora é base de apoio da sua candidatura.

Se você fala em desemprego, você sabe quem conduziu o ministério do Trabalho e outros órgãos conexos, ô Geraldo? Foi exata e precisamente o PTB, que apoia a sua candidatura e está na base do meu governo e, se você vier a ganhar a eleição, essa base será sua base governamental.

E eu me lembro, Geraldo, quando você, candidato a governador, candidato a presidente, nas vezes que eu te apoiei, precisamente para esses cargos, acho você era diferente.

Não atenda aos que dizem seus marqueteiros. Atenda apenas à verdade. E a verdade significa que fizemos muito por essas áreas conduzidas por aqueles que hoje apoiam sua candidatura."

Post atualizado, às 9h30 do dia 06/09/2018, com informações sobre o segundo vídeo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.