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Leonardo Sakamoto

Falta um presidente para explicar que Exército não deve tratar de eleições

Leonardo Sakamoto

09/09/2018 16h06

Exército faz segurança do Palácio do Planalto durante manifestação em 2016: Foto: Evaristo Sá/AFPFor

As Forças Armadas de hoje não são as mesmas do período da última ditadura, da mesma forma que os contextos nacional e internacional são outros. Seus comandantes têm confirmado que a liderança do país é e será civil. Segundo os oficiais da ativa, o respeito às liberdades individuais e às instituições continuará, sem intervenções ou golpes.

Isso não exime seus quadros de críticas, principalmente quando dão declarações que nada contribuem com o bom funcionamento das instituições democráticas.

O comandante do Exército afirmou que o atentado contra Jair Bolsonaro pode levar o futuro governo a ter dificuldade em garantir estabilidade e governabilidade, "podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada", em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

"Ele não sendo eleito, pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção. Daí, altera o ritmo normal das coisas e isso é preocupante", disse o general Eduardo Villas Bôas.

Mesmo que ele, ao longo da entrevista, tenha confirmado que as Forças Armadas continuarão a desempenhar seu papel democrático, independentemente do resultado das eleições, a conjectura em sua declaração apenas lança mais combustível no contexto incendiado em que estamos. A declaração do general não é uma sentença do que acontecerá, mas ajuda na formação do entendimento de que se o resultado das eleições não for o que alguns grupos esperam, elas poderão ser questionadas. Isso em nada contribui para a "necessidade de pacificação do país", que ele afirma ser sua preocupação.

Pelo contrário, extrapola as funções constitucionais das próprias Forças Armadas, que não incluem opinar sobre a validade de eleições, mas atender a demandas dos Três Poderes.

Villas Bôas também chamou de "tentativa de invasão da soberania nacional" o parecer do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas em favor de Lula. E avaliou que o pior cenário eleitoral é termos "alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa" – outra referência ao ex-presidente. Declarações complicadas para alguém que ocupa um cargo que não deveria opinar sobre política, mas opina mesmo assim.

Em 3 de abril, às vésperas do julgamento do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal, o general afirmou em sua conta no Twitter: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".

Depois completou o raciocínio em uma segunda mensagem: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?" Sua declaração, além de representar inadmissível pressão indevida, foi vista como uma chantagem à corte.

Uma das diferenças entre um governo militar e um civil é que no civil, os militares que desejam participar do jogo político, atuando dessa forma, devem fazê-lo pela via eleitoral. Pois palavras como essas, ao invés de trazer tranquilidade, apenas acrescentam mais ansiedade a uma já tensa situação.

Como temos um ex-presidente em Exercício, ele não repreendeu o general em abril e também não se manifestou sobre as declarações de agora. O que era de se esperar. Afinal, diante dos baixos índices de aprovação, o presidente da República fez um movimento temerário, trazendo as Forças Armadas para perto de si. E antes mesmo de entregar o comando da intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro a um general, ele já havia colocado militares em outros postos-chave e áreas sensíveis de seu governo.

Repito: ninguém questiona a importância das Forças Armadas e o papel que elas cumprem em uma democracia. Mas os governos civis pós-1988 distanciaram os militares do processo decisório do país não apenas por traumas do passado, mas também por uma visão de democracia próxima do voto e distante dos quartéis. Ao buscar neles fiadores para ajudar a manter seu governo impopular, Temer correu o risco de jogar esse esforço no lixo. E isso contribui para declarações como essas.

Como já disse aqui, Villas Bôas faz parte do grupo moderado do Exército, não acredita em "tutela" da sociedade por parte das Forças Armadas, acha que intervenção militar é coisa de maluco e disse que só agiria em caso extremo a pedido dos Poderes constituídos da República. Mesmo sofrendo de uma grave doença degenerativa, permaneceu em seu posto para garantir que a transição no Exército ocorresse da maneira mais suave possível. Em outras palavras, que a ala mais radical não herdasse o comando logo na época das eleições.

As declarações podem, nesse sentido, ter o objetivo de responder às pressões internas de grupos pouco democráticos, na ativa e na reserva. De qualquer forma, o general deveria ter mais cuidado com o que fala.

Até porque, na prática, suas palavras causam mais impacto em nosso futuro de curto prazo do que as do presidente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.