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Leonardo Sakamoto

O eleitorado de Lula vai sentir empatia por Haddad?

Leonardo Sakamoto

12/09/2018 04h42

Foto: Ricardo Stuckert

A pergunta do título não quer saber se o ex-presidente conseguirá transferir parte de sua considerável intenção de voto para o ex-prefeito de São Paulo, mas se o povão que ganha até dois salários mínimos – e tem se mostrado fiel a Lula – sentirá empatia por Fernando Haddad.

A pergunta não é uma curiosidade sociológica. Em última instância, pode influenciar na disputa, caso ele vá ao segundo turno e seja bombardeado pelo antipetismo do mercado, de partidos, de um naco do Judiciário, de uma parte da mídia.

Fernando Haddad é uma pessoa culta, cosmopolita e inteligente. Mas isso não faz dele necessariamente um bom ouvinte (se tivesse escutado quem estava a seu redor, os desdobramentos de Junho de 2013 poderiam ter sido diferentes, por exemplo), muito menos um orador carismático – duas das principais características que transformaram Luiz Inácio da Silva em Lula.

Inserir o nome do ex-presidente, que cumpre pena na Polícia Federal, em Curitiba, pelo menos duas vezes em cada frase que pronunciar vai lhe trazer votos até um limite – o restante depende de como vai se conectar ao eleitor. Seu discurso de aceitação da nomeação como candidato, nesta terça (11), já foi uma evolução em comparação ao último debate eleitoral na campanha de 2016. Não era apenas o eco do impeachment, Haddad gerou menos empatia com a população do que João "Não-largarei-a-prefeitura-é verdade-esse-bilete" Doria.

E um segundo turno com Bolsonaro é outra história. As soluções que o capitão reformado dá aos problemas do país não sobreviveriam a uma sessão de interrogatório do coronel Brilhante Ustra. Mas ele sabe se comunicar e transmitir emoção. Fala para uma parte dos extremistas o que querem ouvir. E conversa de maneira que a parte indecisa dos eleitores entende, mesmo que discorde. Com isso, vai preenchendo medos, ansiedades e sensação de vazio (comuns a este momento do país) com essa conexão. O conteúdo, nesse caso, é menos importante que a forma.

Parte das elites intelectual, social e política não entende isso. Chama os eleitores de ignorantes e acha que a inércia democrática, o recall das eleições passadas, a propaganda eleitoral ou a memória da abundância de governos anteriores mudam o cenário na hora certa.

Com isso, não se preocupa como trabalhadores e o restante da classe média estão absorvendo o discurso que eles próprios seguem usando. Louvam a racionalidade. O problema é que as eleições de 2018 não serão vencidas apenas pela razão, mas através do discurso sobre ordem e emprego que conseguir furar a barreira do ceticismo e do cinismo. E isso se faz usando uma retórica carregada de emoção.

Você pode não gostar de Lula, mas não dá para negar que ele é capaz de começar um discurso com uma parábola sobre a vida de um jogador de futebol da Série D do Campeonato Brasileiro e terminar te convencendo sobre a importância de gerar empregos formais em pequenas cooperativas agropecuárias no interior. Ao costurar histórias reais, a vida cotidiana e sua trajetória, usando linguagem popular, consegue fazer com que uma grande parte da audiência entenda e abrace o que propõe. Não há outro candidato que é um grande orador carismático no páreo – o que é uma grande diferença entre a eleição de 1989 e a de hoje, aliás.

Cresci num bairro periférico da capital paulista e acompanhei, via família e amigos que seguem por lá, as críticas a Haddad ao longo de seu mandato. As principais diziam respeito a uma certa sensação de abandono. Questionado sobre o assunto em várias entrevistas, ele lista uma série de realizações nas regiões mais pobres da cidade e indica o clima político nacional por sua não-reeleição. A comunicação, definitivamente, não foi o forte dessa relação. No final, ele fez mais do que a população da periferia acha que fez e menos do que ele acredita ter feito. Será esse um sinal de falta de empatia?

Claro que Haddad ou "Andrade" – para muitos que ainda não conhecem direito o "tal do sujeito indicado pelo homem" – não precisa e não deve ser Lula. E para mal e para bem, ele não é. Tampouco deve ser uma nova Dilma Rousseff. E, para bem, ele não é. Se o povão vai comprar a ideia de que vai preencher o vazio eleitoral deixado pela retirada de Lula e, principalmente, estabelecer identificação e empatia com ele, vai depender do próprio Haddad, de seu discurso de campanha e da propaganda eleitoral.

Ao que tudo indica, será necessário mais do que avisar que Lula é Haddad e Haddad é Lula. Para parte dos eleitores, ele terá que provar isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.