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Leonardo Sakamoto

Na falta de conteúdo, campanha de Bolsonaro foca na conexão com o eleitor

Leonardo Sakamoto

20/09/2018 13h29

Capa da revista inglesa "The Economist" diz que Bolsonaro é "a última ameaça da América Latina"

Se por um lado, as declarações vistas como machistas, racistas e preconceituosas de seu candidato a vice, Hamilton Mourão, ou as propostas de criar e aumentar impostos de seu provável ministro da Fazenda, Paulo Guedes, foram mal recebidas por setores da sociedade, por outro, ajudaram a manter a candidatura de Jair Bolsonaro em evidência enquanto o ex-capitão segue internado.

Das "fábricas de desajustados" que são famílias só com "mãe e avó", passando pela sugestão de que grande parte dos homens de bairros pobres são ligados ao crime até a ideia de uma nova CPMF e da redução do Imposto de Renda apenas das pessoas físicas que ganham mais, a presença dos aliados de Bolsonaro na mídia tem sido, digamos, polêmica.

Contudo, a intenção de voto no ex-capitão tem crescido desde que ele foi internado por conta do atentado que sofreu no dia 6 de setembro. Considerado que apenas 2% do eleitorado, segundo o Datafolha, afirmou ter mudado de voto devido à comoção gerada pela facada, pode-se atribuir os 6% restantes a quem, muito provavelmente, optou por ele como forma de derrotar o PT.

Há, portanto, uma verdade na expressão "falem mal, mas falem de mim" – ainda mais quando os demais candidatos têm se mostrado quase sempre tímidos, lentos ou incompetentes para mostrar o que significam determinadas declarações de aliados do ex-capitão ao eleitorado. Por mais que, agora, tenham as rédeas puxadas, o economista e o general da reserva ajudaram a manter o nome de Bolsonaro nas manchetes. Ou seja, a polêmica continua como combustível de sua campanha.

Convenhamos, que as barbaridades que Hamilton Mourão disse não são menos impactantes do que aquelas proferidas pelo próprio Bolsonaro quando estava 100%. Ou nem isso: da cama do hospital, levantou suspeita sobre fraude nas urnas eletrônicas – que ocorreria caso ele não ganhe, claro.

A isso soma-se o fato de que o atentado sofrido por ele e seus desdobramentos também tiveram um efeito colateral poderoso de superexposição em espaços jornalísticos – que são mais nobres que o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, nos quais ele conta com míseros segundos dados pela coligação PSL-PRTB. O que é lógico e não "apoio da imprensa ao deputado", uma vez que não é todo dia que o primeiro colocado nas pesquisas leva uma facada em meio a um evento.

Para além do naco do eleitorado que concorda com esse tipo de declaração, parte do antipetismo que torce o nariz para o ex-capitão, considerando-o fraco e violento, aceita nele votar para evitar aquilo que seria um "mal maior", em sua opinião. Nesse sentido, quanto mais exposição melhor para manter a marca circulando na cabeça do povo.

O campo progressista nas últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos achou que divulgar as aberrações ditas por Donald Trump contra mulheres e as denúncias de assédio sexual contra ele levariam a população a mudar de voto – o que não ocorreu em quantidade suficiente. Ele foi eleito apesar do seu machismo e não por causa dele. Prometeu trazer os empregos de volta, perdidos para a globalização, e teve uma competente campanha de mídia. Criava (como ainda cria) factóides e polêmicas apenas para continuar em evidência.

No Brasil, Aécio Neves perdeu votos quando chamou Dilma Rousseff de "leviana" em um debate nas eleições de 2014. Agora, as mulheres pobres são o grupo que mais resiste em dar seu voto a Bolsonaro, por conta de fatores como a defesa que ele faz da violência como saída para a violência. Contudo, a geração de empregos (principalmente no Nordeste e em regiões pobres) e a garantia da segurança pública e da ordem (no Sul e Sudeste) são os elementos que os eleitores estão especialmente levando em consideração em seu cálculo racional. Para tanto, votarão nos candidatos que os convencerem que são capazes de tocar esses temas e que se destacarem midiaticamente na multidão.

Não importa que demonstre não dominar nenhuma proposta para as áreas de economia, educação, saúde, ciência e tecnologia, Bolsonaro sabe se comunicar. Fala para uma parte dos extremistas o que eles querem ouvir. E conversa da maneira que uma parte menos radical dos eleitores entende, mesmo que discorde. Com isso, vai preenchendo medos, ansiedades e sensação de vazio com essa conexão.

O conteúdo, nesse caso, é menos importante que a forma – o que para ele é perfeito, uma vez que praticamente não há conteúdo. Ao falar de suas propostas, mesmo que de maneira superficial, de forma que o cidadão comum sinta que estabelece com um candidato um canal de comunicação sobre suas frustrações e dificuldades, conquista votos. Afinal, as pessoas querem alguém que fale para elas sobre os temas que as afligem, atestando que é capaz de resolvê-los. Mesmo que não fale nada.

O foco é manter o receptor conectado, o tempo todo, mesmo que a mensagem seja vazia. E, nisso, sua campanha tem se saído muito bem, mesmo que involuntariamente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.