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Leonardo Sakamoto

Temer vai entregar uma democracia mais frágil, com instituições esgarçadas

Leonardo Sakamoto

25/09/2018 23h13

Foto: Jewel Sawad/AFP

Os dias que antecedem a Assembleia Geral das Nações Unidas são intensos em reuniões, diálogos, negociações. Realizada sempre no mês de setembro, em Nova York, reúne chefes de Estado de todo o mundo. Entre eles, o nosso. Costumo estar na cidade nessa época para acompanhar o encontro. Desde que assumiu a Presidência, Michel Temer nunca foi alvo de muita curiosidade de colegas jornalistas estrangeiros, diplomatas e da burocracia da ONU. O mesmo não posso dizer, contudo, de Jair Bolsonaro.

Recebi uma saraivada de perguntas sobre quem era "o candidato que não gosta de direitos humanos", "o militar que a [revista] Economist chamou de a mais recente ameaça na América Latina" e, a mais humilhante: "o que aconteceu com vocês para votarem pelo autoritarismo?".

Uma resposta seria dizer que essa é a prova da beleza da democracia, pois ela permite que qualquer um atinja o poder. Inclusive aqueles que podem enterrá-la.

Neste ano, Temer tratou dela em seu discurso: "A nossa, senhoras e senhores, é uma democracia vibrante, lastreada em instituições sólidas". Gostaria de viver no Brasil em que ele vive ou usar o mesmo colírio.

Parte da população aturdida com a aprovação de leis que reduziram a proteção social dos mais vulneráveis, com os perdões bilionários aos mais ricos e com a comercialização de votos de deputados federais para que rejeitassem as denúncias criminais contra ele deixou de acreditar na coletividade e buscou construir sua vida tirando o Estado da equação. Essa população pobre cozinhou sua insatisfação em desalento, impotência, desgosto e cinismo. Isso não estoura em manifestações com milhões nas ruas, mas gera uma bomba-relógio que pode explodir em algum momento. Durante seu governo, muitos deixaram de confiar na política como arena para a solução dos problemas cotidianos, o que é equivalente a abandonar o diálogo visando à construção coletiva. Caídas em descrença sob seu mandato, instituições vão levar muito tempo para se reerguerem – e isso, se conseguirem.

Tudo isso abriu espaço para figuras que se vendem como salvadoras da pátria, prometem trazer a paz na base da porrada e nos obrigam a passar vergonha ao responder perguntas.

Em 2016, Temer foi boicotado por países que se identificavam com o PT. Em 2017, seu discurso foi considerado praticamente irrelevante. Agora, ele conta uma mentira em sua despedida à comunidade de nações, afirmando que "o país que entregarei a quem o povo brasileiro venha a eleger é melhor do que aquele que recebi". E foi além: "o próximo governo e o próximo Congresso Nacional encontrarão bases consistentes sobre as quais poderão seguir construindo um Brasil mais próspero e mais justo".

O principal legado do governo Temer é, na verdade, uma democracia mais frágil, lastreada em instituições esgarçadas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.