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Leonardo Sakamoto

Alckmin, Boulos, Ciro, Haddad e Marina prometem combater escravidão

Leonardo Sakamoto

05/10/2018 23h05

Trabalhadora migrante boliviana em oficina alvo de resgate de trabalhadores escravizados em São Paulo. Foto: MPT

Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), João Goulart Filho (PPL), Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU), candidatos à Presidência da República, aderiram à Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, afirmando que estabelecem como prioridade o combate à escravidão contemporânea em suas gestões, caso sejam eleitos.

Todos os outros presidenciáveis foram convidados a assinar, mas não responderam. A lista foi atualizada após a campanha de Ciro Gomes enviar sua assinatura, na noite desta sexta (5). Desde que o compromisso começou a ser colhido, em 2006, essa é a maior adesão de candidatos à Presidência.

Lançada pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), responsável pelo monitoramento dessa política há 15 anos e que reúne instituições públicas e entidades da sociedade civil, a Carta foi encaminhada a candidatos nas eleições de 2006, 2010, 2012, 2014 e 2016. Como resultado, ações adotadas pelo poder público tiveram origem no documento, como a criação de planos nacionais, estaduais e municipais de combate a esse crime e a aprovação de leis. O instrumento permite um acompanhamento da ação dos eleitos por parte da sociedade e da imprensa.

Entre os compromissos, está o de não promover empreendimentos e empresas, dentro ou fora do país, que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil. E, por outro lado, apoiar iniciativas de empresas que combatem a incidência desse crime em seus setores produtivos. E o de exonerar qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob responsabilidade do eleito que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra. E renunciar ao mandato caso fique comprovado que usou esse tipo de exploração em seus negócios pessoais. A campanha de coleta de assinaturas começou no dia 27 de agosto.

O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer, diante das Nações Unidas, a persistência de formas contemporâneas de escravidão. Foi o primeiro a criar uma política nacional efetiva de libertação de trabalhadores em 1995. O primeiro a lançar um plano integrado de combate ao crime em 2003 e a publicar, periodicamente, um cadastro com os infratores a partir do mesmo ano, a "lista suja". Criou o primeiro pacto empresarial multisetorial contra a escravidão em 2005. E implementou ações pioneiras de repressão e prevenção que se tornaram referência em todo o mundo. Foram mais de 52 mil libertados em fazendas, carvoarias, oficinas de costura, canteiros de obra, entre outros empreendimentos.

Mas vem enfrentando dificuldades para levar adiante a política. Por exemplo, a "lista suja" tem sofrido ataques enquanto a fiscalização do trabalho vê dificuldades operacionais causadas pela falta de recursos. Sem apoio do próximo presidente, essa política pode perder força e deixar de existir.

A carta também está à disposição para que qualquer pessoa solicite o compromisso de seu candidato a qualquer cargo público e monitore o cumprimento da promessa após a eleição. Elas estão sendo coletadas pela Repórter Brasil em nome da Conatrae. As cartas com as assinaturas dos candidatos podem ser encontradas na página do Facebook criada para a campanha deste ano, clicando aqui.

Seguem os compromissos presentes no documento:

1) Não permitir influências de qualquer tipo em minhas decisões, que me impeçam de aprovar leis ou implementar ações necessárias para erradicar o trabalho escravo;

2) Efetivar ações presentes no 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e nos Planos Estaduais para a Erradicação do Trabalho Escravo (onde existirem), além de apoiar a implantação e/ou manutenção de comissões para erradicação do trabalho escravo dentro da esfera de competência federal e/ou estadual;

3) Reconhecer e defender a definição de trabalho análogo ao de escravo presente no artigo 149 do Código Penal, caracterizado por trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva. A definição desse artigo, considerada como uma referência global pelas Nações Unidas, tem sido fundamental para o resgate da dignidade de trabalhadores em todo o país;

4) Não promover empreendimentos e empresas, dentro ou fora do País, que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil. Por outro lado, apoiar iniciativas de empresas que combatem a incidência desse crime em seus setores produtivos;

5) Apoiar a articulação política pela aprovação de leis que contribuirão para a erradicação desse crime;

6) Buscar proteção aos defensores dos direitos humanos e líderes sociais que atuam no combate à escravidão e na defesa dos direitos dos trabalhadores;

7) Destinar recursos e garantir apoio político para a manutenção das ações de fiscalização de denúncias que resultam nas libertações de trabalhadores;

8 ) Fortalecer a prevenção ao trabalho escravo, ampliando os programas de geração de emprego e renda nos municípios fornecedores de mão de obra escrava, priorizando a reforma agrária nessas regiões e fortalecendo as ações de reinserção social das pessoas libertadas;

9) Apoiar a criação e implantação de estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores migrantes brasileiros e estrangeiros em território nacional;

10) Informar aos trabalhadores sobre seus direitos por intermédio de campanhas de informação, que incluam as entidades públicas competentes e buscar a inclusão da temática do trabalho escravo contemporâneo nos parâmetros curriculares da rede pública de ensino;

11) Apoiar a implementação de uma política de atendimento aos trabalhadores resgatados com ações específicas voltadas à educação básica e profissionalizante e à reintegração social e econômica do trabalhador;

12) Buscar a aprovação ou a regulamentação de projetos de lei que condicionem a formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública a empresas que declarem não ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na produção de seus bens e serviços;

13) Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a "lista suja", instrumento mantido pelo governo federal desde 2003.

Por fim, asseguro que renunciarei ao meu mandato se for encontrado trabalho escravo sob minha responsabilidade em meus negócios pessoais ou se ficar comprovado que alguma vez já utilizei desse expediente no trato com meus empregados. Além disto, garanto que será prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.