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Leonardo Sakamoto

"Branqueamento da raça": Mourão usa frase de defensores da limpeza racial

Leonardo Sakamoto

06/10/2018 22h46

Foto: Foto: Werther Santana/Estadão

"Meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça", afirmou o general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, no aeroporto de Brasília, neste sábado (6).

O comentário não contribui com os esforços dos apoiadores do ex-capitão – que tentam afastar acusações de que sua candidatura flerta com o fascismo e chamam de produtores de "fake news" os jornalistas que relatam declarações preconceituosos, racistas e machistas da dupla.

E vai ao encontro de outra declaração polêmica dada por Mourão, em agosto: "Temos uma certa herança da indolência [vagabundagem, preguiça], que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, Edson Rosa [vereador negro, presente na mesa], nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso caldinho cultural".

Na época, ele disse que sua declaração havia sido tirada de contexto e que foi mal compreendido. Os militantes da dupla correram para explicar que essa análise encontrava respaldo na academia, citando estudos. Só não disseram que a ciência também foi usada, ao longo da história, para justificar as piores ignomínias.

A frase de hoje também teria respaldo entre parte dos cientistas, intelectuais e médicos brasileiros do final do século 19 e começo do século 20 que defendiam que a "mistura de raças" levaria ao embranquecimento da nacionalidade, pois a "raça branca" seria superiora e triunfaria ao final. Naquela época, isso era visto como ciência. Hoje, como racismo.

Fundada há 100 anos, a Sociedade Eugênica de São Paulo, que contava com médicos influentes como sócios e era admirada por pessoas como Monteiro Lobato, defendeu o "branqueamento" da população. Os eugenistas brasileiros acreditavam no aprimoramento da "raça" através da higienização do espaço urbano. Segundo eles, elevar o vigor da "raça" iria levar o Brasil ao progresso e à civilização.

Aliás, chama-se eugenia o estudo de formas de melhorar a espécie humana pela genética, pelo controle da reprodução e outros fatores sociais. Essa ideia de criar "seres humanos melhores" acabou, claro, sendo usada para validar a segregação e justificar o extermínio de pessoas.

Governos na Alemanha, Suécia, Finlândia, Noruega, Estados Unidos, Japão acabaram adotando um viés da eugenia que acreditava que não havia solução para determinados grupos de indivíduos por conta de sua origem. E foi registrada castração forçada de negros, indígenas, criminosos (onde foi que ouvimos isso nessa campanha, aliás?), pessoas com deficiências e doentes crônicos. No limite, tivemos o holocausto de judeus, o extermínio de homossexuais e da população roma (ciganos).

A eugenia como instrumento de "limpeza racial" vê esperança no avanço da extrema direita em todo o mundo, com a volta do fantasma do discurso da supremacia de pessoas de determinada origem, cor e etnia em detrimento às outras.

Não estou dizendo que esse é o caso ou a intenção de Mourão. Mas palavras são importantes, ainda mais de alguém que poderá ser nosso vice-presidente. Como é a segunda vez que ele trata dessa forma a questão étnico-racial, o caso não deveria ser visto como gafe, mas algo a ser repudiado e corrigido. Entendemos muito bem o que falou e, por isso, ele deveria pedir desculpas.

Bolsonaro havia mandado seu vice ficar quieto. Esqueceu que, na hierarquia militar, general não obedece capitão.

Em tempo: vale lembrar que ainda hoje nosso racismo não separa apenas negros e brancos, mas faz com que os negros de pele mais escura sofram mais preconceito do que os negros de pele mais clara.

Quem quiser ler sobre a eugenia no Brasil, uma sugestão é o livro "A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina", de Nancy Leys Stepan, da Editora Fiocruz.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.