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Leonardo Sakamoto

Mulher denuncia ter sido marcada com suástica por usar camiseta com #EleNão

Leonardo Sakamoto

10/10/2018 19h07

Uma mulher de 19 anos afirmou à Polícia Civil ter sido agredida por três homens, em Porto Alegre (RS), por estar usando uma camiseta com a expressão #EleNão. Conta que, após ser esmurrada, foi segurada e marcada, com um canivete, com uma suástica na barriga.

O caso é bizarro por si só. E demanda investigação urgente – ainda mais que a sociedade vê aumentar a extensa lista de agressões envolvendo seguidores de Jair Bolsonaro, nesta campanha eleitoral, que incluem a morte de um mestre capoeirista, Romualdo Rosário da Costa, com 12 facadas em Salvador (BA), na segunda (8).

Contudo, o delegado que cuida do caso, Paulo Jardim, da 1ª DP de Porto Alegre, conseguiu aumentar a polêmica. "Não é uma suástica. Tenho absoluta convicção. O que temos é um símbolo milenar religioso budista. Símbolo de amor, paz e harmonia", afirmou em entrevista ao programa Gaúcha+.

Afirmando-se especialista nesse tipo de crime, disse que "o movimento neonazista, quando iniciou, pegou um símbolo budista e inverteu. O que temos aí é o símbolo budista". Antes, à Gaúcha ZH, afirmou que o agressor poderia não ter ideia de que aquilo era um símbolo nazista: "Me chama a atenção que o desenho é semelhante a uma suástica, mas não está correto. Está ao contrário. Quem fez aquilo ali não sabia o que era uma suástica".

Há registros do uso do símbolo da suástica em objetos que datam de 7 mil anos a.C. na Mesopotâmia. Ela também apareceu entre diversos povos da Ásia, África Europa e América. Em alguns, a cruz suástica tem as pás viradas para a esquerda e, em outros, para a direita. O nazismo ressignificou uma delas para representação da raça ariana e sua superioridade.

Não importa que a suástica budista seja o espelho da suástica nazista. Ou seja, se ela foi "desenhada" corretamente ou não. Há uma mulher que afirmou que teve o corpo marcado com algo que queriam que parecesse uma suástica. Se o delegado quer descartar grupos neonazistas da investigação por conta desse detalhe técnico, tudo bem, mas não dê declarações como essa, que soam insensíveis, e só confundem.

Qualquer semovente que respire e faça sombra e assistiu, ao menos, um filminho miserável sobre a Segunda Grande Guerra sabe qual foi o grande uso desse símbolo no partido nazista alemão. Sabem o que isso significa. Uso que resgatado pelos movimentos neonazistas de todo o mundo – inclusive, os brasileiros, que estão se sentindo empoderados pela votação expressiva recebida no primeiro turno por um candidato de extrema direita no país.

Ou alguém acha que três agressores teriam socado uma moça de 19 anos na rua e a prenderam para gravar em sua barriga, no estilo Bastardos Inglórios, um símbolo de "amor, paz e harmonia" por que foram com a cara dela?

A depender do resultado, vai haver expurgo no dia seguinte ao segundo turno das eleições. Com a anuência silenciosa do presidente eleito, que não condenou até agora outros atos, como agressões de jornalistas e o assassinato do mestre capoeirista feitos por seus seguidores. E os comentários edificantes de membros da força policial.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.