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Leonardo Sakamoto

Parte de fãs de Bolsonaro acha que vitória é salvo-conduto para violência

Leonardo Sakamoto

11/10/2018 13h15

Romualdo Rosário da Costa foi assassinado com 12 facadas em Salvador

Jair Bolsonaro ainda não entendeu a gravidade da situação. É preciso deixar bem claro: Pessoas vão morrer e ser agredidas pela parcela de seus fãs que entendeu sua vitória como um salvo-conduto para o ódio reprimido. Esses criminosos acham que seu governo não punirá barbaridades que forem cometidas contra determinados grupos e já começaram a botar as mangas de fora. A lista já tem um morto, o mestre capoeirista, Romualdo Rosário da Costa, com 12 facadas em Salvador, e dezena de agredidos.

Chamado a se pronunciar a respeito da violência que vem sendo perpetrada por alguns de seus seguidores, primeiro disse que não possuía responsabilidade sobre aquilo. Depois, que lamentava, mas não tinha controle sobre eles. Daí, com os casos se avolumando, afirmou que "dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim".

Não é o voto que está em jogo, mas a vida, candidato. O senhor pode dispensar votos, mas não pode dispensar vidas. Tem que deixar claro que isso não terá lugar em seu governo e que quem optar por esse caminho será devidamente punido. Pode parecer óbvio, mas para essa parcela de seus seguidores, não é.

Como já disse aqui várias vezes, há registros de violências cometidas por simpatizantes do PT ou fomentada por seus membros contra jornalistas ou adversários ao longo dos anos. Mas nada que se compare à onda que estamos vivendo agora. Não havia incerteza diante da integridade física. Agora, vemos grupos de mulheres e gays se organizarem para não saírem sozinhos à noite com medo desses ataques. Regredimos décadas em semanas.

Essa é a parte assustadora do dia seguinte à abertura das urnas: a percepção de que milícias ou indivíduos, que operam na escuridão, vão se sentir empoderados para atuar à luz do dia contra mulheres, negros, professores, moradores de comunidades pobres, jornalistas, pessoas com deficiência, camponeses, indígenas, pessoas em situação de rua, homossexuais, ativistas pelos direitos de outras pessoas e pelo meio ambiente, pessoas ideologicamente à esquerda ou qualquer ser humano com o qual não concordem.

De ameaças de morte comunicadas ao Ministério Público Federal a agressões físicas por conta de notícias falsas e campanhas de difamação, tenho uma certa experiência no ramo de ser um alvo ambulante. Mas a frequência dos ataques aumentou, com ameaças de morte na rua e afins.

Se minha vida pessoal é um termômetro, digamos que o Brasil está com febre. Não é uma aspirina entregue pelo candidato que vai resolver o problema. O remédio tem que ser mais forte, ele precisa dizer que – em seu governo – esse ódio seria punido.

Porque ele, como toda liderança, seja à esquerda ou à direita, tem responsabilidade neste momento.

Apesar de vender-se como o garantidor da "ordem", Bolsonaro ajudou a fomentar a desordem com seus discursos violentos. Líderes políticos, religiosos, sociais e comunicadores afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, não são suas mãos que agridem, mas é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorcem a visão de mundo de seus seguidores e tornam o ato da violência banal. Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é ética e esteticamente aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória ou divina, e irão para a guerra.

Bolsonaro, mais do que ninguém, sentiu na pele o significado da loucura política e do ódio através do atentado abominável que sofreu no início de setembro. E como é considerado exemplo para muita gente e prometeu, repetidas vezes, que iria pacificar o país, deve desarmar o discurso e ser energético contra esse comportamento. Caso contrário, terá responsabilidade em todo o sangue que for derramado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.