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Leonardo Sakamoto

Cid Gomes e PT podem se refugiar no Congresso. E o país? Foge para onde?

Leonardo Sakamoto

16/10/2018 21h22

O PT "vai perder feio esta eleição." O senador eleito Cid Gomes, irmão de Ciro, espinafrou o PT em um ato pró-Fernando Haddad, nesta segunda (15), reclamando do comportamento hegemônico e prepotente do partido. O candidato petista minimizou, afirmando que é amigo de ambos e esse entrevero diz respeito a questões locais no Ceará entre PT e os Gomes. Cid, nesta terça, disse que ele é a opção "menos ruim" em comparação a Jair Bolsonaro e disse que parte do PT está "se lixando" para Haddad.

Cid tem razão ao afirmar que o PT age para manter sua hegemonia e, não raro, é prepotente. E que isso dificulta a criação da tal "frente democrática" para unir políticos e personalidades contra o deputado do PSL devido à dificuldade de reconhecer erros em público. Mas os Gomes também não são um exemplo de humildade, o que pode ser comprovado pela forma arrogante com que Ciro tentou trazer o PT para sua candidatura após a prisão de Lula.

Mas essa não é a principal razão que fará o PT perder a eleição, caso os resultados das pesquisas não se alterem até o dia 28 de outubro. Mais de 12 milhões de desempregados e 64 mil mortes violentas por ano, junto à incapacidade da política em encontrar soluções efetivas (inclusive para depurar a si mesma), alçaram o discurso da mudança ao papel de estrela das eleições. A rejeição ao PT surfa na crista desse sentimento de mudança.

"Discurso", ressalte-se, não a mudança em si, porque a análise das propostas por trás dele, não raro, mostram saudades da estrutura social do Brasil Colônia. Os políticos tradicionais foram varridos do mapa, sejam eles conservadores ou progressistas. Até a toda-poderosa bancada ruralista perdeu muitos de seus nomes tradicionais e líderes. Os brasileiros decidiram parte dos políticos de sempre do parlamento – 243 dos 513 deputados federais nunca ocuparam esse cargo, ou seja, 47,4% do total. Mais da metade dos deputados não se reelegeu.

Bolsonaro é uma novidade velha: está em seu sétimo mandato, mas adota um discurso e um comportamento diferentes da política tradicional, que não foi capaz de trazer respostas às demandas de uma parte grande da população. Seus adversários criticam o conteúdo de suas mentiras e não se atentam à forma como as conta. Ele sabe falar com a população, que entende quando finge representar uma mudança. Elogiam sua "sinceridade" frente às mentiras contadas pela política tradicional. Mesmo que, sinceramente, também minta.

Vale ressaltar que renovação não significa melhoria. Afinal, ao contrário do que ensina o filósofo Tiririca, pior do que está, ah, sim, fica. Em português claro: no fundo do poço pode ter um alçapão.

Haddad disse que o problema de Cid não era com ele, o que procede. Independente das questões entre o PT cearense e a família Gomes, se dependesse de Haddad, o PT já teria reconhecido de forma mais clara os casos de corrupção em que se envolveu e pedido desculpas à sociedade pela frustração da esperança depositada no partido. Como prefeito de São Paulo, ele já batia de frente com o governo Dilma Rousseff e, portanto, não teria problema algum em escancarar o reconhecimento dos erros e barbeiragens cometidos.

A esta altura, faria alguma diferença a atuação na campanha de alguns nomes, como Ciro Gomes e, principalmente, Joaquim Barbosa – capaz de emprestar credibilidade ao PT, pois foi algoz do PT durante o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal.

Seria bom para Fernando Haddad que ele tivesse liberdade e apoio real para fazer o que fosse preciso nesse sentido – pedisse desculpas, afagasse egos, chamasse o regime Nicolás Maduro pelo seu nome, ditadura, mudasse bastante seu programa original, tudo em nome de uma plataforma mínima democrática. E mais do que pedidos de desculpas, a sinalização esperada é de como o poder seria exercido a partir do ano que vem. Porém, como me disse um dos profissionais que chefiou a comunicação de uma das campanhas presidenciais ao falar sobre o PT: "quem cuidou de latifúndio tem problemas para dividir a horta comunitária".

Mesmo com a possibilidade de derrota, é importante esse tipo de articulação. Pois o que está em jogo no segundo turno não é apenas a Presidência da República, mas também o tamanho da oposição a ela. Um resultado apertado significará que o escolhido terá que negociar muito mais do que imaginava, governando para todos e não só para seus eleitores. Seria prudente o campo democrático estar unido desde já e demonstrar sua força. Nossa liberdade pode depender disso no ano que vem.

Por fim, uma parte do PT parece satisfeita com os resultados do primeiro turno e não tem se engajado fortemente no segundo, segundo reclamações ouvidas por este blog de pessoas do partido. Alguns desses foram eleitos ou reeleitos ao Congresso Nacional e a outros cargos e, portanto, têm seu projeto de poder mantido. Encastelados em palácios e parlamentos, acreditam que a derrota irá alçar o partido à liderança da oposição, preparando terreno para tentar voltar em 2022. Talvez pensem que, se perderem, amanhã há de ser outro jogo. Para eles talvez sim, mas não para uma parcela da sociedade.

A população mais pobre não estará protegida com salários parlamentares, além de verba de gabinete. Jornalistas não contarão com imunidade parlamentar e liberdade de tribuna. Sem-terra, sem-teto, indígenas e quilombolas não terão imóvel funcional ou auxílio-moradia. Ativistas feministas e militantes por direitos sociais e ambientais não terão à disposição seguranças da Câmara e do Senado. Uma parcela da sociedade, principalmente a mais frágil, ou quem empresta voz a ela, vai sofrer com o retrocesso na efetivação de direitos garantidos pela Constituição cidadã de 1988. Como o próprio Jair Bolsonaro insinuou, vamos voltar 50 anos no tempo. Nem todos os críticos ao novo governo podem pegar um avião e ir se exilar no exterior caso milícias e simpatizantes do governo resolvam calar bocas à força.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.