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Leonardo Sakamoto

Para Toffoli, um soldado e um cabo fechando o STF seria golpe ou movimento?

Leonardo Sakamoto

21/10/2018 16h11

Eduardo Bolsonaro (PSL), deputado federal mais votado nestas eleições e filho do presidenciável Jair Bolsonaro, afirmou em vídeo gravado antes do primeiro turno que "para fechar o STF basta um cabo e um soldado". Perguntado sobre uma possibilidade de o Supremo Tribunal Federal impugnar a candidatura de seu pai, questionou a força da instituição e insinuou que militares poderiam agir contra os ministros. As declarações foram dadas em palestra em Cascavel (PR), no dia 9 de julho, e viralizou na rede neste domingo (21).

"O STF vai ter que pagar para ver. E aí quando ele pagar para ver, vai ser ele contra nós. Você tá indo para um pensamento que muitas pessoas falam, e muito pouco pode ser dito. Mas se o STF quiser arguir qualquer coisa – sei lá, recebeu uma doação ilegal de R$ 100,00 do José da Silva, impugna a candidatura dele – eu não acho isso improvável, não. Mas aí vai ter que pagar para ver. Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser fechar o STF, você sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo não. O que que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF, o que que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular em favor dos ministros do STF? Milhões na rua 'solta o Gilmar [Mendes], solta o Gilmar!', com todo o respeito que tenho pelo ministro Gilmar Mendes, que deve gozar de imensa credibilidade junto aos senhores", disse Eduardo Bolsonaro.

Isso vai no mesmo sentido das intervenções de Jair Bolsonaro ao longo da campanha. "Pelo que vejo nas ruas, não aceito resultado diferente da minha eleição", por exemplo, fez parte de entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, no dia 28 de setembro. Desse ponto de vista, não há uma Presidência da República em disputa, apenas um ritual para confirmá-lo como próximo mandatário.

Bolsonaro afirmou que duvida que o filho tenha dito isso. Para ele, as frases devem ter sido tiradas de contexto, pois alguém que defenda isso tem que procurar um psiquiatra.

Após a onda de repercussão negativa, Eduardo postou, em suas redes sociais, que "se" foi infeliz e atingiu "alguém", pedia desculpas. E que isso não era "motivo para alarde". Disse que a polêmica formada "trata-se de mais uma forçação de barra para atingir Jair Bolsonaro".

Críticas vieram até do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem evitado se posicionar no segundo turno. "As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro merecem repúdio dos democratas. Prega a ação direta, ameaça o STF. Não apoio chicanas contra os vencedores, mas estas cruzaram a linha, cheiram a fascismo", afirmou em sua conta no Twitter, neste domingo (21). "Têm meu repúdio, como quaisquer outras, de qualquer partido, contra leis, a Constituição."

Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, questionada sobre a declaração, disse que "as instituições estão funcionando normalmente e todos os juízes honram a toga e não se deixam abalar com qualquer manifestação".

Num momento em que surgem denúncias de que grandes empresas estariam bancando ilegalmente o envio de milhões de  mensagens via WhatsApp, beneficiando Jair Bolsonaro (o que é ilegal e poderia configurar caixa 2 caso, comprovada a participação direta da campanha), a declaração de seu filho demandaria também uma posição do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli.

Em evento sobre os 30 anos da Constituição Federal, no dia 1o de outubro, Toffoli afirmou que prefere chamar o golpe de 1964 de "movimento" – uma minimização grosseira do que foi o Estado de Exceção e uma falsa equivalência entre as responsabilidades da ditadura e dos contrários a ela. Também disse que o erro das Forças Armadas foi não terem saído após o golpe e não o golpe em si, o que representa um bullying pesado contra os familiares daqueles que perderam a vida lutando contra o regime.

Pode-se analisar as declarações à luz da nova conjuntura. O presidente do STF deve ter entendido que será necessário ampliar o diálogo com os militares em um país a ser governado por Bolsonaro. Essa declaração estranha e a escolha do general da reserva Fernando Azevedo e Silva como assessor apontam para tanto. Mas isso não me interessa.

O que me importa mesmo é saber se ele também consideraria que "um soldado e um cabo" fechando o Supremo Tribunal Federal a pé, sem tanques ou jipe, seria um golpe ou um movimento.

Em tempo: O corregedor nacional de Justiça abriu um procedimento para que Kenarik Boujikian, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, esclarecesse críticas à fala de Dias Toffoli. Em um seminário, no dia 15 deste mês, ela afirmou que "um ministro do Supremo Tribunal Federal chamar de movimento um golpe reconhecido historicamente é tripudiar sobre a história brasileira. De algum modo, é desrespeitar todas as nossas vítimas". Realmente, vivemos um período de mudanças. Inclusive na razão.

Post atualizado às 17h55 do dia 21/10/2018 para inclusão de informações.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.