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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro mostra que não sabe o que é desemprego ao apontar "farsa" no IBGE

Leonardo Sakamoto

07/11/2018 05h11

Foto: Adriano Machado/Reuters

Bolsonaro chamou de "farsa" a metodologia para cálculo do desemprego no Brasil e disse que iria alterá-la. Com isso, demonstrou profundo desconhecimento sobre o conceito de emprego e sobre o próprio IBGE, instituição que comandará a partir de janeiro, com reputação internacional, responsável por indicadores sociais e econômicos que baseiam políticas no país.

Isso só seria preocupante, claro, se ele fosse o presidente eleito. E se o país contasse com uma população desocupada de 12,5 milhões, 27,3 milhões de pessoas subutilizadas e 4,8 milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego porque sabem que não irão encontrá-lo).

"Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, mas uma taxa de empregados no Brasil", disse Bolsonaro. Mas quem recebe Bolsa Família, procura emprego há mais de um ano e recebe seguro-desemprego não é considerado automaticamente como empregado. E, sim, o instituto também calcula o montante de empregados no país.

Melhor faria se ele gastasse seu tempo explicando como pretende gerar milhões de empregos, pois o tema foi pouco abordado em seu programa de governo.

Até agora, as principais marcas que deixou nessa área foram a frase "o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego" e a proposta de criação de uma categoria de trabalhadores com menos direitos que as demais.

"Criaremos uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores. Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais)", afirma.

Ou seja, o empregador pode ser liberado do cumprimento de toda e qualquer proteção prevista em outras leis, desde que não esteja na Constituição, bastando para isso a concordância do candidato a uma vaga. Que, diante o desespero para sair da fila do desemprego, vai aceitar.

Vale lembrar que a redução na proteção à saúde e à segurança do trabalhador, representada pela introdução da Reforma Trabalhista há um ano, não levou a uma queda representativa no desemprego – ao contrário do que havia sido prometido por Michel Temer.

Governos pouco afeitos à democracia, quando colocados contra a parede, tendem a reduzir a transparência de informações às quais a sociedade tem acesso a fim de adaptar a realidade à sua narrativa.

Esperemos que, se a realidade for cabeça-dura e não atestar a redução do desemprego no ritmo que Bolsonaro espera, seu governo não torture os números até que entreguem o que ele deseja ouvir.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.