No Brasil de Bolsonaro, direitos e empregos são mutuamente excludentes
"O Brasil é o país dos direitos, só não tem emprego." Em uma live no Facebook, nesta sexta (9), ao defender a Reforma da Previdência, Jair Bolsonaro repetiu uma dualidade que usou durante a campanha, de que direitos e empregos são mutuamente excludentes.
"Os empresários estão falando isso. Ou tem emprego e menos direitos, ou tem direito e menos empregos", afirmou.
Disse que não vai tirar os direitos trabalhistas previstos no artigo 7o da Constituição Federal – "não vou dar murro em ponta de faca". Mas há outras formas de limitar a qualidade de vida dos trabalhadores para além de mudanças constitucionais.
Em seu programa de governo, Bolsonaro propôs a criação de uma categoria que estaria sujeita a menos proteção que as demais. "Criaremos uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores. Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais)."
Como disse aqui na época, pelo que está indicado, Bolsonaro pretende liberar o empregador do cumprimento de toda e qualquer proteção prevista em outras leis, desde que não esteja na Constituição, bastando para isso a concordância do candidato a uma vaga.
Poucos discordam que a livre elaboração de um contrato, com direitos e deveres de ambas as partes, postos na mesa de forma igual e equilibrada, é a situação ideal.
O problema é que um contrato individual pode ser firmado tanto em benefício do trabalhador quanto em seu prejuízo – neste último caso, envolvendo principalmente indivíduos economicamente vulneráveis. E aí reside o problema.
Isso vai ao encontro do que ele afirmou em sabatina a empresários em julho, que, por sua vez, está alinhado com a live desta sexta: "O trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego".
A Reforma Trabalhista permitiu que, desde novembro do ano passado, a negociação entre patrões e empregados ficasse acima do que diz a CLT. Ela, porém, limita os temas em que isso pode acontecer e afirma que a decisão deve ser tomada de forma coletiva, através de sindicatos. Pois, no desespero, diante da dificuldade de conseguir um trabalho, um indivíduo pode ser pressionado, objetivamente ou pelas circunstâncias, a ceder e abrir mão de proteções conquistadas com muita negociação ao longo de décadas.
Para esses trabalhadores "verde e amarelos" seriam garantidos os direitos previstos na Constituição Federal, como férias e 13o salário, mas ficariam de fora conquistas obtidas ao longo dos últimos 70 anos e registradas na CLT. Como aquelas que dizem respeito à proteção à saúde e à segurança, questões sobre o descanso e a jornada de trabalho, regras para demissão de empregados, por exemplo.
Para muitas pessoas, uma proposta como essa significa o fim da tutela do Estado sobre os trabalhadores, dando a eles mais liberdade. Contudo, da forma como está posta, representa mais o enfraquecimento da fiscalização sobre alguns empregadores, permitindo que avancem sobre um terreno hoje proibido em nome da competitividade.
Fiscalização que deve desidratar caso a proposta de extinção do Ministério do Trabalho não seja mais uma bravata.
O Brasil precisa rediscutir sua Previdência, tanto a dos trabalhadores do regime geral quanto os do setor público, devido ao crescimento da expectativa de vida. Mas de uma forma que não coloque em risco a dignidade dos que menos têm.
Diante do histórico do país, que mostrou geração de empregos formais convivendo com direitos trabalhistas e proteção à saúde e à segurança da mão de obra, a dúvida é se o presidente eleito acha que realmente é impossível as duas coisas coexistirem ou simplesmente não sabe como fazer isso.
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