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Leonardo Sakamoto

MPT processa Havan em R$ 100 milhões por coação pró-Bolsonaro de empregados

Leonardo Sakamoto

22/11/2018 16h02

O Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina está processando as lojas Havan e seu proprietário, Luciano Hang, em, pelo menos, R$ 25 milhões por dano moral coletivo por intimidar seus empregados a votarem em Jair Bolsonaro na eleição presidencial. Além disso, o MPT também pede que paguem R$ 5 mil a cada um dos cerca de 15 mil empregados como dano moral individual, o que elevaria o montante em R$ 75 milhões, totalizando um valor em torno de R$ 100 milhões.

De acordo com a ação civil pública, o proprietário promoveu campanhas políticas em prol do candidato com o envolvimento obrigatório de empregados em "atos cívicos". Ele teria feito ameaças explícitas de fechar as lojas e dispensar os empregados, caso o adversário de seu candidato ganhasse a eleição. Além disso, os trabalhadores teriam sido constrangidos a responder, em mais de uma ocasião, enquetes internas promovidas pela Havan em seus terminais de computadores, informando em quem votariam – num momento em que já era conhecida a preferência do dono da empresa.

Segundo os procuradores responsáveis, "os réus valeram-se de sua condição de empregadores para impor sua opinião política a respeito dos candidatos à Presidência da República e para vincular, de maneira absolutamente censurável, a manutenção dos postos de trabalho de seus colaboradores, valendo-se de métodos humilhantes, vexatórios e, até mesmo, de 'pesquisas eleitorais' obrigatórias sem qualquer respaldo em lei". O número de empregados (15 mil) é citado na ação pelo MPT e já foi divulgado pelo proprietário, em vídeo, durante as eleições.

O departamento jurídico da Havan, através da assessoria de comunicação da empresa, informou que a rede de lojas ainda não foi oficialmente comunicada e, portanto, não irá fazer um pronunciamento a respeito.

Assédio e coação

Mais de 200 denúncias de trabalhadores que afirmam ter recebido pressão de seus empregadores para votar em determinados candidatos nas eleições foram registradas pelo MPT envolvendo diferentes empresas durante o primeiro e segundo turnos deste ano.

Em 1o de outubro, o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, afirmou, em nota pública, que era vedado aos empregadores a prática de qualquer ato que obrigasse o empregado "a seguir uma determinada crença ou convicção política ou filosófica, orientada pela organização empresarial" e afirmou que o Ministério Público do Trabalho estava à disposição para receber denúncias, anônimas ou não, que seriam investigadas.

Parte dessas denúncias veio de trabalhadores da Havan, o que levou o MPT a demandar, ainda durante as eleições, que a empresa e seus representantes se abstivessem de assediar, discriminar, violar a intimidade, coagir, intimidar, admoestar e influenciar o voto dos empregados e que veiculasse essa decisão tanto no âmbito da empresa quanto em contas em redes sociais.

"Estamos sendo coagidos a votar no Bolsonaro, através de vídeos do proprietário da Havan Sr. Luciano Hang, a maioria dos trabalhadores não concorda com os atos, mais (sic) ficam calados para não perder o emprego", afirma uma das denúncias recebidas pelo MPT. "Hang reuniu centenas de funcionários no saguão da loja e por 38 minutos fez verdadeira 'lavagem cerebral' nos colaboradores, com ameaças diretas de fechamento de lojas caso seu candidato perca as eleições", diz outra.

A ação civil pública destaca declarações de Luciano Hang, em um vídeo dirigido aos seus empregados, no dia 2 de outubro: "a esquerda, nos últimos 30 anos, e estou dizendo hoje, o PSDB, o PT, principalmente, esses partidos de esquerda como PSOL, PC do B, PDT, são partidos alinhados com o comunismo. E o comunismo do mal, aquele comunismo que quer destruir a sociedade, destruir a família, destruir os empregos".

Hang também afirmou que "talvez a Havan não vai abrir mais lojas (sic). E aí se eu não abrir mais lojas ou se nós voltarmos para trás? Você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan? Você que sonha em ser líder, gerente, e crescer com a Havan, você já imaginou que tudo isso pode acabar no dia 7 de outubro? E que a Havan pode um dia fechar as portas e demitir os 15 mil colaboradores".

Imagem de vídeo divulgado por Luciano Hang no Facebook pedindo voto a Bolsonaro

E concluiu: "não vote em comunistas e em socialistas que destruíram este país. Nós somos hoje frutos dos votos errados que nós demos no passado. Nós não podemos errar. Conto com cada um de vocês. Dia 7 de outubro vote 17, Bolsonaro para nós mudarmos o Brasil. Obrigado pessoal. Conto com cada um de vocês".

Ainda em outubro, o juiz do Trabalho Carlos Alberto Pereira de Castro atendeu ao pedido de tutela antecipada, impondo multa de R$ 500 mil em caso de descumprimento. Em sua decisão, o magistrado considerou que Hang havia reeditado o "voto de cabresto" ao tentar "impor a grupos de pessoas a escolha política ditada por uma pessoa dotada de maior poderio dentro de certas comunidades". Segundo ele, o empresário manteve uma "conduta flagrantemente amedrontadora" contra os empregados.

Danos morais coletivo e individual

Contudo, de acordo com o MPT, o proprietário da Havan não cumpriu plenamente a decisão. "Após a concessão da liminar, a conduta de influenciar o voto dos empregados não foi cessada. Desde o momento em que recebeu o mandado de intimação, o empresário Luciano Hang demonstrou não apenas inconformismo com a medida [exposto via redes sociais], mas também pouca disposição no seu cumprimento", diz a ação.

Na época da decisão, o proprietário da Havan repudiou, em entrevistas a veículos de imprensa, as denúncias de que estaria coagindo os empregados. A ação civil pública traz declarações de outro vídeo divulgado por Hang, nas redes sociais, questionando a liminar: "eu não tô pegando e 'ó, tu vota no Bolsonaro senão você vai morrer', pondo a arma na cara dele, isso é coação, pessoal, (…) nós estamos no século 21, o pessoal do Ministério do Trabalho (sic) tem que entender que o país mudou, que se a gente não tratar bem esse pessoal aqui eles vão embora, não é isso? (…) se eu não ganhar o coração dele ele vai embora amanhã, então nós temos que fazer uma empresa do bem e ganhar eles assim 'vota no Bolsonaro' e falar por que o Bolsonaro é o melhor".

Prepostos da Havan teriam coagido os trabalhadores a assinarem uma carta em que declaravam não terem sido alvo de intimidação por parte de seu empregador, segundo uma das denúncias presentes na ação. "Os chefes de setores e os simpatizantes do mesmo candidato que o Sr. Luciano apoia solicitaram que os funcionários escrevem carta registrando que não foram coagidos a votar em candidato à Presidência da República. A informação que chegou é que o Jurídico pediu."

De acordo com o MPT, foi conduzida uma investigação e ouvidos trabalhadores da Havan que teriam comprovado as denúncias recebidas anteriormente pelo órgão. O que incluiria até distribuição de panfletos de campanha, por gerentes da empresa, do candidato à Presidência que contavam com sugestão casada de candidato para deputado federal.

"Os réus violaram o patrimônio moral dessa coletividade, que tem a legítima pretensão de executar seu trabalho de forma livre, sem que as opiniões políticas de seu empregador sejam invocadas como forma de pressão e de assédio, resultando em intervenção indevida em sua esfera de intimidade e de liberdade de pensamento." Segundo o órgão, o empregador se utilizou de seu "poder empresarial e do grande porte econômico para alavancar suas campanhas em favor de determinado candidato à Presidência da República". Para os procuradores, o ambiente de trabalho tornou-se uma "extensão do comitê de campanha do candidato".

O valor do dano moral coletivo calculado em, no mínimo, R$ 25 milhões levou em conta a gravidade do ato, a extensão do número de empregados e o porte econômico da empresa. A ação pede que o valor seja revertido a projetos que beneficiem a comunidade ou ao Fundo de Direitos Difusos. Segundo o MPT, as "condutas ilícitas perpetradas" afetam trabalhadores da Havan em todo o país.

Já o dano moral individual de R$ 5 mil por empregado vinculado à empresa na data de 1o de outubro deste ano está baseado, entre outros elementos, na realização de pesquisas de intenção de voto às quais os trabalhadores seriam obrigados a participar. "Não havia a possibilidade de não resposta. Como saber se a resposta dos empregados seria mantida em sigilo se ela estava vinculada ao usuário [no sistema de computadores] de cada um deles? É evidente que a empresa poderia se utilizar dessa informação para discriminar ou demitir trabalhadores", afirmam o procuradores.

Além da ação, ajuizada na última segunda (19), também foi solicitado à Justiça do Trabalho que confirme a decisão liminar e garanta que a empresa continue impedida de coagir empregados com objetivos políticos sob a pena da multa já citada de R$ 500 mil.

Subscrevem a ação os procuradores do Trabalho Alice Nair Feiber Sônego, Bruna Bonfante, Elisiane dos Santos, Lincoln Roberto Nóbrega Cordeiro, Luciano Arlindo Carlesso, Luiz Carlos Rodrigues Ferreira e Sandro Eduardo Sardá.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.