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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro copia Temer: afaga empresário e bate em direito trabalhista

Leonardo Sakamoto

14/12/2018 05h06

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Michel Temer usou uma das mais graves crises econômicas da história do país para justificar uma redução na proteção da saúde e da segurança do trabalhador. Não que a atualização da legislação não fosse necessária, mas a aprovação à toque de caixa de um projeto nascido de demandas empresariais, sem discussão com a sociedade, foi um escárnio. Não satisfeito com a Reforma Trabalhista de seu antecessor, Jair Bolsonaro também escolheu como alvo o pacote de regras que garantem um mínimo de dignidade. Tem chamado a CLT de razão de infortúnio da economia e de sofrimento dos empresários brasileiros. É por causa dela, entre coisas, segundo ele, que é difícil ser patrão no Brasil.

Durante seu mandato, Temer bateu cartão em eventos empresariais, sempre prometendo que aprovaria a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização Ampla. Como contou com o apoio de parte do grande empresariado e do mercado no processo de impeachment, precisava saldar a dívida. Por outro lado, não era figura presente em eventos de trabalhadores. O que é uma pena, uma vez que foram esses os principais afetados pelas mudanças. Poderia, ao menos, ter gravado um vídeo para eles, como aqueles no estilo "13 Reasons Why" que tuitou nas eleições.

Desde a campanha, Bolsonaro dirige-se a empresários e seus representantes no Congresso Nacional prometendo aprofundar a Reforma Trabalhista. Agora, disse à bancada do DEM que a lei trabalhista deve se aproximar da informalidade e fiscalização deveria multar o infrator apenas em uma segunda visita. Vira e mexe lamenta não ser possível mexer no que está previsto nos direitos trabalhistas básicos presente no artigo 7o da Constituição – o que tornando passível de negociação, por exemplo,  o salário mínimo. Repete à exaustão um bordão maniqueísta e superficial: todos os direitos e desemprego ou menos direitos e emprego. Mas ele raramente detalha esses pacotes de maldades contra os trabalhadores em declarações para a imprensa ou em suas transmissões via lives de redes sociais. O que seria ótimo, uma vez que pouco se sabe do custo que terão suas propostas para gerar postos de trabalho.

A classe trabalhadora deveria ser a mais protegida em momentos de crise. Contudo acaba sendo a, historicamente, mais vilipendiada. Um pouco de isonomia cairia bem: para cada crítica pública que Bolsonaro fizesse aos direitos dos trabalhadores, poderia anunciar também uma crítica ao sistema tributário que beneficia os super ricos. Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, defende (acertadamente) a proposta de voltar a taxar os dividendos (a parcela dos lucros distribuída aos acionistas das empresas), o que levaria ao aumento da arrecadação e reduziria o fosso entre os muito ricos e a classe média. Mas não adianta só ele, falta uma defesa mais robusta de tal medida por seu chefe.

O problema da desigualdade social e econômica não é uma questão meramente fiscal. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e às outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

Se a cada vez que Bolsonaro reclamar da CLT também tratar da falta de taxação da renda dos mais ricos ou mesmo da sonegação via calote ou a institucionalizada, via generosos Refis, demonstraria a seus eleitores que não é vassalo de nobres empresários, seus cavaleiros midiáticos e seus bispos intelectuais. Nem que conta com um pensamento medieval quanto à demanda de igualdade por parte de seus súditos. Resta saber se ele se importa com isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.