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Leonardo Sakamoto

Compras de Natal: Veja se a sua marca preferida combate o trabalho escravo

Leonardo Sakamoto

24/12/2018 12h18

A Amissima, que comercializa luxuosos vestidos femininos, somou-se recentemente a outras 37 marcas que utilizaram mão de obra análoga à escravidão. Todas as informações sobre elas estão no aplicativo Moda Livre, disponível no Google Play e na Apple Store, que avalia desde 2013 as ações adotadas por varejistas para combater o trabalho escravo entre fornecedores. Ele acaba de ser atualizado, totalizando 132 marcas de roupas.

A fiscalização do Ministério do Trabalho resgatou 14 trabalhadores em duas oficinas que produziam roupas para a Amissima. A operação, realizada em novembro de 2018, constatou que a jornada chegava a 14 horas diárias, que os trabalhadores não tinham carteira assinada e recebiam menos do que o salário mínimo. Em nota (leia a íntegra), a empresa afirmou que não compactua com ofensas à lei trabalhista e pediu desculpas aos que se sentiram lesados pelo caso.

O Moda Livre também tem dados atualizados sobre as grifes responsabilizadas por esse crime durante fiscalizações do governo federal. As informações do aplicativo mostram que grande parte do varejo de moda no Brasil ainda não controla adequadamente os locais onde as suas roupas são fabricadas. Mais de 160 mil downloads do app já foram realizados, gratuitamente.

Além da recém-flagrada Amissima, a atualização do aplicativo inclui informações sobre as políticas de monitoramento adotadas por dez novas empresas: Ateen, Canal Concept, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Enjoy, Fillity, Maria Filó, Mixed, Tig – Renata Figueiredo e Zapalla.

Mais de 400 costureiros e costureiras foram encontrados em condições análogas às de escravos no Brasil. A maioria dos casos ocorre em pequenas confecções terceirizadas. As vítimas mais comuns são migrantes sul-americanos que trabalham em condições degradantes. São locais suscetíveis a incêndios, marcados pela falta de higiene e que muitas vezes também servem de moradia aos trabalhadores. Eles recebem valores muito baixos por peça costurada e são submetidos a jornadas exaustivas para conseguir guardar algum dinheiro. Muitos se veem obrigados a trabalharem para pagar dívidas fraudulentas com os patrões para quitar o financiamento da viagem de seus países até o Brasil.

Apesar dos recorrentes problemas na cadeia do vestuário, o Moda Livre mostra que ações de transparência estão crescendo entre alguns varejistas. Nomes do mercado brasileiro como C&A,  Marisa e Reserva passaram a divulgar a relação de fornecedores em seus sites. Já a Americanas e a Pernambucanas imprimem nas etiquetas o nome do fabricante das peças.

Medidas como estas são uma tendência internacional. Adidas, Calvin Klein, Levis, Nike e Puma divulgam o nome de seus fornecedores na internet. Atualmente, a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex) também publica a relação de confecções aprovadas pelo seu programa de certificação. Marcas como Brooksfield, Le Lis Blanc, Hering, Renner e Riachuelo informam que trabalham com fornecedores certificados pela Abvtex, mas não explicitam quais são.

A Repórter Brasil, responsável pelo app, envia um questionário-padrão a marcas e grupos varejistas de moda em atividade no Brasil. As respostas geram uma pontuação que classifica as empresas em três categorias: verde, amarela e vermelha. Também é realizado um extenso levantamento das ocorrências relacionadas com as marcas em inspeções do Ministério do Trabalho, ações do Ministério Público do Trabalho e decisões da Justiça do Trabalho.

Na categoria verde estão empresas que demonstram ter mecanismos de acompanhamento sobre sua cadeia produtiva. Na categoria intermediária estão inseridas as marcas que demonstraram ter mecanismos de acompanhamento, mas que têm histórico desfavorável em casos de trabalho escravo e/ou precisam aprimorar seus mecanismos. Entram na cor vermelha as marcas com pior avaliação – são aquelas que não demonstraram ou não informaram adotar ações minimamente adequadas para evitar situações de escravidão moderna na produção de suas roupas. As empresas que não respondem ao questionário são automaticamente colocadas na cor vermelha devido à falta de transparência. 

O objetivo do questionário-padrão é avaliar como as empresas monitoram as condições de trabalho de seus fornecedores a partir de quatro indicadores básicos: políticas (compromissos assumidos pelas empresas para combater o trabalho escravo em sua cadeia de fornecimento), monitoramento (medidas adotadas pelas empresas para fiscalizar seus fornecedores de roupa), transparência (ações tomadas pelas empresas para comunicar a seus clientes o que vêm fazendo para monitorar fornecedores e combater o trabalho escravo), histórico (resumo do envolvimento das empresas em casos de trabalho escravo, segundo dados oficiais).

Além de analisar o histórico e as ações de combate ao trabalho escravo que são tomadas pelas marcas mais relevantes no mercado de moda brasileiro, o Moda Livre também destaca matérias sobre o tema no setor.

O aplicativo não recomenda que o consumidor compre ou deixe de comprar de determinada marca ou loja, apenas garante transparência. Disponibilizar informação qualificada é melhorar a capacidade de decisão das pessoas.

Com informações da Repórter Brasil

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.