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Leonardo Sakamoto

Laranjal do PSL enfraquece discurso anticorrupção de Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

12/02/2019 18h23

Antes de tentar convencer idosos abaixo da linha da pobreza a aceitarem receber menos de um salário mínimo por mês de benefício assistencial, como é hoje, sob a justificativa de que o país vai quebrar, seria melhor o governo do presidente Jair Bolsonaro pedir ao seu partido que explique os indícios de cultivo de laranjas entre suas fileiras. No último caso descoberto, a direção nacional do PSL destinou R$ 400 mil de recursos públicos, na eleição do ano passado, a uma candidata que teve apenas 274 votos e que, ao que tudo indica, servia de fachada.

Do total do montante, que chegou a ela poucos dias antes do pleito, R$ 380 mil foram gastos em uma única gráfica – que se enrolou para demonstrar onde e como foi feito o serviço. Maria de Lourdes Paixão, que trabalha como secretária do partido em Pernambuco, foi intimada pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre o caso, nesta quinta (14), na superintendência da instituição.

Vale lembrar que o presidente da República, eleito com a bandeira de que a corrupção é um ralo de dinheiro do contribuinte, impedindo que recursos cheguem através de serviços e assistência a quem realmente precisa, prometeu estancar esse vazamento, criticando os escândalos envolvendo o PT, o PSDB e o MDB. O problema é que não há uma goteira, mas um ralo, em sua própria casa.

Claro que os R$ 400 mil não fazem cócegas nos déficits bilionários da Previdência Social. Mas indícios de que recursos públicos foram desviados através de um esquema montado para ludibriar o contribuinte incomodam. Afinal, como um partido com membros que tratam o dinheiro público dessa maneira pode pedir sacrifício à população?

Investigação da Folha de S.Paulo, divulgada no domingo (10), apontou que o responsável pela candidata laranja foi o grupo do presidente do partido, Luciano Bivar (PSL-PE), segundo-vice-presidente da Câmara dos Deputados. Ela foi a terceira maior beneficiada por verbas nacionais de campanha, mais do que o próprio Bolsonaro ou deputados com expressiva votação. Apenas o próprio Bivar (com R$ 1,8 milhão) e o Delegado Waldir (R$ 420 mil) – escolhido como líder do governo na Câmara e que enfrenta críticas da própria bancada – receberam mais que ela. Durante as eleições, o comando do partido esteve com o advogado de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência.

Ressalte-se que não estamos falando de uma prosaica laranja, mas de um laranjal. Das acusações contra as "movimentações atípicas" de Fabrício Queiroz e sua relação com seu ex-chefe, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), até o caso envolvendo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), deputado federal mais votado de Minas Gerais, que teria usado laranjas para desviar recursos na campanha, há indícios de que membros importantes do partido desviaram recursos.

Todos os casos demandam uma célere e profunda investigação e respostas. Caso contrário, será necessário muito engajamento das redes sociais bolsonaristas para que o governo seja levado a sério pelo cidadão quando disser que está combatendo a corrupção e que a Reforma da Previdência é fundamental para "poupar dinheiro público". 

Dada que a prática do cultivo de laranjais parece ser extensiva, seria importante que o ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro se pronunciasse. Não apenas demonstraria sua independência, mas também traria tranquilidade a milhões de seus apoiadores – que já ouvem críticas nas redes sociais sobre a seletividade de seu engajamento. Com um silêncio que é mais estridente quando a denúncia é contra o governo para quem trabalha.

Post atualizado à 1h do dia 13/02/2019 para inclusão de informação.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.