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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro ignora laranjal ao demitir Bebianno, o "homem-bomba" da República

Leonardo Sakamoto

18/02/2019 20h23

Foto: Leo Correa/AP

Questionado sobre a razão que levou Jair Bolsonaro a exonerar Gustavo Bebianno do cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, nesta segunda (18), o porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, informou, laconicamente, que a decisão havia sido de "foro íntimo".

Logo depois, o presidente divulgou vídeo que não lembra em nada a espontaneidade bolsonaresca nas redes sociais, milimetricamente construído para evitar que o novo homem-bomba da República aperte a tecla "foda-se".

Nele, agradece a Bebianno, afirma que a exoneração se deve a "diferentes pontos de vista sobre questões relevantes" que "trouxeram a necessidade de uma reavaliação" e faz uma deferência ao ex-assessor – "avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte, não sendo adequados pré-julgamentos de qualquer natureza".

Reconhece que o advogado, que cuidou da agenda e de gastos e receitas da campanha, é um arquivo-vivo de uma eleição em que a candidatura foi acusada de se beneficiar com disparos de WhatsApp comprados por empresários e outras traquinagens: "Tenho que reconhecer a dedicação e o comprometimento do senhor Gustavo Bebianno à frente da campanha eleitoral em 2018 [grifos meus, claro]. Seu trabalho foi importante para o nosso êxito".

Sinaliza ao ex-secretário-geral quanto às acusações de plantador de laranjas, prevenindo que ele se sinta só e saia dizendo onde todo aquele suco foi parar: "Agradeço ao senhor Gustavo pelo esforço e empenho quando exerceu a direção nacional do PSL e continuo acreditando na sua seriedade e qualidade do seu trabalho".

Mostra que sabe que ele detém informação sensível sobre os primeiros dias de seu governo, por ter ajudado na montagem da equipe e presenciado todos os arranca-rabos e cabeçadas no núcleo do poder no Palácio do Planalto: "Reconheço também sua dedicação e esforço durante o período em que esteve no governo".

Reportagens da Folha de S.Paulo mostraram que o PSL cultivou um laranjal nas últimas eleições, com repasses de dinheiro público a candidaturas de fachada sob responsabilidade do então presidente do partido, Gustavo Bebianno. Após dar declarações de que estava bem com o presidente, apesar das denúncias, foi humilhado por Bolsonaro e seu filho Carlos, seu antigo desafeto, que o chamaram de "mentiroso" nas redes sociais e pela TV. Avisou que não cairia sozinho e mandou vários recados ao, agora, ex-ídolo. Tiveram uma dura conversa, na sexta, em que o presidente teria o acusado de quebra de confiança por vazar diálogos sigilosos à imprensa. Agora, recebe publicamente o bilhete azul com um pacote de afagos.

Não deixa de ser uma sinuca de bico. Afinal, se ele acusasse Bebianno pelo laranjal, irritaria ainda mais o homem-bomba e criaria um problema para seu partido no Congresso Nacional. Vale lembrar que o esquema teria beneficiado também o grupo do dono do PSL, Luciano Bivar, segundo vice-presidente da Câmara, entre outros. Se falasse de quebra de confiança, levaria Bebianno a acionar o já mencionado botão, pois esteve ao lado de Bolsonaro desde que a Presidência era sonho distante. Na política, traição é pior que xingar a mãe.

Bolsonaro tem direito a exonerar qualquer ministro ou assessor se considerar que a pessoa não é mais compatível ou desejável para um cargo, uma vez que foi eleito democraticamente e possui tal prerrogativa. Mas, ao não mencionar a questão do laranjal na demissão, acaba por passar pano em denúncias graves que mereciam resposta por parte de seu governo. Na ânsia (e no medo) de evitar que o antigo aliado surte, faz de conta que a festa da fruta com recursos públicos do fundo eleitoral é parte do show. Produziu um vídeo para o gosto de Bebianno e para o desgosto da democracia.

Contudo, é um pouco tarde para alegar discrição, uma vez que Bolsonaro e seu filho transformaram a questão da fritura e demissão em um reality show, mandando Bebianno para o paredão e poupando o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), também envolvido em denúncias da utilização de cítricos em sua campanha para deputado federal.

Se Bebianno vai ficar quieto com isso, só o tempo vai dizer. Mas o Palácio do Planalto deve lembrar que da mesma forma que houve procuradores e juízes ávidos por delatores que contassem malfeitos do PT, também há aqueles que estão de olho nos malfeitos do PSL. Ou seja, mesmo que Bebianno decida ficar em silêncio, pode ser convencido do contrário. Palocci taí para provar que delatar pode ser lucrativo.

De certa forma, a posição dada pelo porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, faz sentido: "foro íntimo". Ao permitir que filhos atuem como instrumento político para derrubar aliados e ao não ter parâmetros para demissão de assessores para além de sua vontade, Bolsonaro corrói a distinção entre público e privado – o que assusta principalmente quem está ao seu lado. A Presidência da República é uma instituição, de ocupação eleita e transitória, para servir à coletividade, não um puxadinho de sua casa na Barra da Tijuca, onde seus filhos podem brincar à vontade. Ou pelo menos não deveria ser.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.