Topo

Leonardo Sakamoto

Acusado de laranjal, ministro copia Flávio Bolsonaro e pede arrego ao STF

Leonardo Sakamoto

21/02/2019 14h15

Após Flávio Bolsonaro solicitar ao Supremo Tribunal Federal que a investigação que apura as "movimentações atípicas" de seu ex-assessor Fabrício Queiroz fosse suspensa e tramitasse na corte por ele ter assumido o cargo de senador, eis que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, decidiu seguir pela trilha aberta por seu correligionário após denúncias de que plantou um laranjal em Minas Gerais.

Recorreu ao STF para que a investigação do Ministério Público mineiro sobre candidaturas de fachada do PSL, na qual ele é alvo, passe para a corte por ele ter foro privilegiado. Da mesma forma que a de Flávio, sua defesa pediu que, até que o Supremo tome uma decisão, a investigação seja suspensa. O ministro sorteado foi Luiz Fux, o mesmo que concedeu a liminar a Flávio Bolsonaro durante o recesso da corte – liminar cassada pelo ministro Marco Aurélio Mello no primeiro dia da volta aos trabalhos do Judiciário.

No ano passado, o próprio Supremo fixou regra para que sejam julgados pela corte apenas casos envolvendo autoridades federais referentes ao exercício do mandato e em razão deste. Contudo, dúvidas sobre o enquadramento dos casos são resolvidas pelo próprio STF – e tanto a defesa de Flávio quanto a de Marcelo jogaram com isso. O ministro Luiz Fux, a propósito, votou a favor da restrição do foro em 2018.

Com isso, ganharam tempo. No caso de Flávio, o suficiente para assumir o cargo como senador eleito em uma casa que proteger os seus. No caso de Marcelo, fica a dúvida do tempo para quê. Para que a sociedade esqueça do que leu e ouviu? O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que Jair Bolsonaro avaliará a situação quando aparecer algo "de gravidade". Creio que o governo precisa compartilhar conosco a escala com a qual está lidando. Afinal, o que é grave? O ministro surtar e jogar laranja no público, em frente ao Palácio do Planalto, gritando "fui eu!"?

Da mesma forma que a do filho 01 do presidente da República, a ação de Marcelo parece indicar que ele tem algo que não quer que venha à público.

Creio que Jair Bolsonaro deveria se manifestar usando sua passagem bíblica preferida: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" e pedir para o ministro do Turismo se explicar. Afinal, mesmo os mais ateus concordam com João capítulo 8, versículo 32 e gostariam de ouvir a verdade. Não só de políticos como Marcelo Álvaro Antônio e de Flávio Bolsonaro, mas também de ex-assessores como Fabrício Queiroz e, por que não, Gustavo Bebianno. Aliás, principalmente de Queiroz e Bebianno.

A Folha de S.Paulo, em uma série de reportagens, mostrou que Marcelo, o deputado federal mais votado de seu Estado, foi responsável por um laranjal de quatro candidaturas. Presidente do PSL mineiro, destinou R$ 279 mil de recursos públicos para essas campanha. Parte dos recursos acabaram em empresas de pessoas próximas a ele. As quatro candidaturas tiveram cerca de 2 mil votos apenas.

E falando em Flávio, vale a pena recordar que há mais de dois meses o país espera "explicações plausíveis" sobre as primeiras denúncias de laranjal. Em 6 de dezembro, Fábio Serapião, do jornal O Estado de S. Paulo, revelou "movimentações atípicas" de R$ 1,2 milhão detectadas através do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nas contas de Queiroz, incluindo um depósito de R$ 24 mil para a hoje primeira-dama Michele Bolsonaro. O ex-assessor e motorista de Flávio Bolsonaro, quando deputado estadual, faltou às convocações do MP-RJ para prestar esclarecimentos, alegando problemas de saúde. Foi operado no hospital Albert Einstein, no início deste ano, um dos mais caros do país, para a retirada de um tumor no intestino. Repetiu que daria esclarecimentos, quando a saúde permitisse. Disse em uma entrevista à TV que "fazia dinheiro" com rolo de carros.

Flávio também não atendeu ao convite dos promotores para falar sobre o caso. Solicitou ao Supremo Tribunal Federal a suspensão da investigação criminal envolvendo Queiroz e a anulação das provas. Com a polêmica instalada, vieram a público depósitos fracionados em sua conta que Flávio atribui à compra e venda de imóveis e mais movimentações de Queiroz, agora totalizando R$ 7 milhões.

Jair Bolsonaro afirma que o valor depositado para sua esposa é a devolução de parte de um empréstimo que fez a Queiroz, que totaliza R$ 40 mil. A oposição ao governo acusa Fabrício Queiroz de ser um laranja usado pela família Bolsonaro para repassar parte dos salários recebidos por funcionários de seus mandatos. Há coincidências entre datas de pagamentos pela Assembleia Legislativa do Rio, depósitos na conta de Queiroz feitos por outros funcionários do antigo gabinete de Flávio e saques em dinheiro pelo ex-assessor.

Quando a história já parecia suficientemente bizarra, a imprensa revelou que a esposa e a mãe de um miliciano poderoso trabalharam no gabinete do então deputado estadual. E que Flávio homenageou formalmente, via Assembleia Legislativa, esse miliciano, que teve prisão decretada, e um outro, que já foi preso. E, até agora, nada.

Como já disse aqui, pessoas próximas ao centro do poder político do país deveriam prestar contas de seus atos sem necessidade de ordens judiciais. Ministros não deveriam mentir, atacar ou ameaçar jornalistas, tampouco usar de fantasia para justificar censura ou pedir ajuda ao Judiciário para evitar dar esclarecimentos à população. O Estado teria que proteger e não tentar reduzir o alcance da Lei de Acesso à Informação. Atores públicos, que construíram fama afirmando-se guardiões da lei e que assumiram cargos no governo precisariam ter pudor e agir contra a tentativa do governo e seus aliados de acobertar informações de interesse público.

Mas, daí, seríamos um país. E não uma grande plantação.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.