Ao se mostrar refém das redes, Bolsonaro ameaça sua Reforma da Previdência
Um governo que nasceu pelas redes sociais não ia passar batido quando elas começassem a gritar. O problema é que elas não gritam, necessariamente, em timbre e altura agradável aos seus ouvidos.
Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro falou em um café da manhã com jornalistas, nesta quinta (28), que o governo pode ceder na proposta de Reforma da Previdência que enviou ao Congresso Nacional. Por exemplo, voltar atrás em aumentar de 65 para 70 anos a idade em que idosos em condição de miserabilidade podem obter o auxílio mensal de um salário mínimo. Ou propor a idade mínima para mulheres em 60 e não 62 anos – tal qual é hoje nas aposentadorias por idade. Ou ainda reduzir o corte nas pensões de viúvas e órfãos. A Bolsa de Valores, claro, surtou.
Quem acompanha o comportamento das redes sociais percebeu a quantidade de comentários negativos sobre a Reforma da Previdência desde que a proposta foi apresentada. Para Bolsonaro, a fonte mais preocupante de reclamações não é a oposição, mas seus apoiadores nas redes sociais, inclusive membros de categorias que, historicamente, deram suporte a ele – como policiais, bombeiros e militares.
Desde o princípio, o presidente divergia de seu ministro da Economia quanto à idade mínima. Quando a proposta foi divulgada, defensores do texto disseram que os 62 anos para mulheres era um "ponto de equilíbrio", uma vez que ambos teriam cedido. Paulo Guedes, ignorando a dupla jornada feminina, queria 65 anos para homens e mulheres. Já o presidente havia defendido, em entrevista ao SBT, em 03 de janeiro, 62 anos para homens e 57 para mulheres.
O Palácio do Planalto sentiu o impacto digital da insatisfação e está sinalizando concessões antes mesmo que o Congresso Nacional comece a discutir a Proposta de Emenda Constitucional nas comissões – o que enlouquece, por sua vez, a (pequena) parte de sua base que defende o projeto na integralidade.
Mesmo o exército de perfis falsos, robôs e apoiadores reais, que já estão mobilizados para xingar e atacar qualquer crítica à PEC, não têm sido páreo à insatisfação espontânea. O governo diz que a população ainda não foi devidamente informada. Mas deve-se lembrar que muita informação vai chegar em forma de "esclarecimento", pelo governo e aliados, e de "denúncia", por contrários ao texto.
Por fim, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, cedeu à campanha digital realizada por apoiadores do governo Bolsonaro favoráveis à flexibilização da posse e do porte das armas de fogo, e revogou a nomeação de Ilona Szabó para a vaga de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, também nesta quinta. De acordo com ela, teria havido intervenção do presidente.
"Senti uma certa decepção ao ver que a opinião de grupos extremos tem um impacto tão grande na opinião do presidente da República, que é o presidente de toda a população", disse ela ao jornal O Globo.
Co-fundadora do Instituto Igarapé, especialista em segurança e desenvolvimento, com mestrado em Estudos de Conflito e Paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, Szabó – que havia sido nomeada ontem – é defensora do controle de armas e crítica às promessas de Bolsonaro nessa área.
O ministério de Moro não escondeu a razão do desligamento: "Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o Ministério respeitosamente apresenta escusas".
"Lamento profundamente que grupos minoritários mais extremados consigam impedir que que pessoas comprometidas com o bem público, mesmo com divergências, possam sentar na mesa para a construção de um bem maior", afirmou Ilona Szabó à Folha de S.Paulo.
O governo Bolsonaro deu duas sinalizações, no mesmo dia, de que atende as redes sociais – ao declarar que pode ceder na idade mínima para aposentadoria das mulheres e na revogação da nomeação de Ilona Szabó. Há quem diga que isso é a prova de um governo em sintonia com sua base social, independente de quem ou o que ela seja. Outros, que isso é sintoma de um governo demagógico e fraco, refém daqueles que acreditava comandar. Para saber quem está com a razão teremos que observar o processo de análise e votação das mudanças nas aposentadorias e na assistência social.
Em tempo: termina hoje fevereiro, o mês que teve cara de ano inteiro.
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