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Leonardo Sakamoto

Após sequência de polêmicas, Bolsonaro torna-se "bicicleta com rodinhas"

Leonardo Sakamoto

08/03/2019 03h42

Há um certo constrangimento quando o vice-presidente da República, ministros com gabinete no Palácio do Planalto, parlamentares aliados no Congresso Nacional, jornalistas e militantes simpáticos ao governo, entre outros, têm que vir a público explicar que Jair Bolsonaro, quando disse A, na verdade, queria dizer B. Em doses calculadas, isso traz coesão ao seu grupo de fiéis através de identidade reativa. Mas, acontecendo sempre, rouba tempo e desgasta a imagem dele e da República.

Antes, quem recebia trechos polêmicos de seus discursos, entrevistas ou declarações e tecia críticas sobre eles, era chamado de ignorante (porque não teria entendido o verdadeiro significado do conteúdo presidencial) ou de canalha (porque teria entendido muito bem e resolvido distorcer por ser um marxista-globalista-gayzista-coitadista-abortista-mimimista do inferno).

Passados dois meses de governo, fãs e seguidores, funcionários e aliados, robôs e perfis falsos mantém os ataques. Mas nota-se, em alguns grupos, o constrangimento supracitado com tendência de alta.

Percebe-se que nem todos os que saíam com faca nos dentes para defender o presidente sentem-se à vontade de fazer o mesmo quando ele posta, por exemplo, um vídeo de "golden shower", dizendo que o Carnaval brasileiro está se resumindo à cena. Ou afirma que a democracia é uma concessão das Forças Armadas.

Que o vice, Hamilton Mourão, e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, assumam esse papel, é compreensível e esperado. Apesar de não reconhecerem publicamente, esse generais da reserva têm agido discretamente para corrigir e evitar não apenas as barbeiragens presidenciais, como também riscos que podem ser causados por alguns auxiliares de posições radicais, como Ernesto Araújo na questão venezuelana.

Não quero dizer, com isso, que Bolsonaro não sabe se comunicar. Pelo contrário, como digo há anos, ele consegue falar para os extremistas o que eles querem ouvir, mas também é capaz de estabelecer canais de comunicação com uma grande parcela dos cidadãos e transmitir ideias simples, que são facilmente consumidas. O que não acontece necessariamente com muita gente da elite intelectual brasileira, seja da ala à esquerda ou à direita.

O problema é que, com exceção feita aos seus groupies, cresce a percepção de que 1) alguém que passa o tempo brigando nas redes sociais pode não ter tempo para articular politicamente visando à implementação das reformas que interessam a uma parte da sociedade; 2) a vida é ingrata porque não existe um controle remoto com tecla SAP para traduzir o que ele quis dizer de verdade; 3) ele fala muita bobagem.

A impressão de ver Bolsonaro ladeado na live, via Facebook, nesta quinta (7), após o bafafá da democracia e das Forças Armadas, pelos generais Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, e Augusto Heleno, foi a de uma bicicleta com rodinhas. Aquelas utilizadas por quem ainda está aprendendo a guiar.

Dizem que a maioria das pessoas aprende com o tempo. A maioria.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.