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Leonardo Sakamoto

Os laranjais do PSL não são só desvio de recursos, mas também machismo puro

Leonardo Sakamoto

08/03/2019 01h56

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio

O escândalo dos laranjais do PSL, partido do presidente da República, além de ser um caso de desvio de recursos públicos, é um exemplo perfeito de machismo aplicado à política, no qual mulheres são reduzidas a candidaturas de fachada ou roubadas em sua cota do fundo eleitoral.

Representativas de como a misoginia domina ambientes partidários são as denúncias de candidatas contra o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, presidente do PSL em Minas Gerais e deputado federal mais votado no Estado. Os depoimentos delas quebram o silêncio dessa prática, o que é mais do que pertinente a este 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

Por lei, ao menos 30% do fundo eleitoral tem que ser destinado às campanhas de mulheres. Para burlar isso, a misoginia partidária desenvolveu estratégias, como criar candidaturas de fachada para repassar o dinheiro ou exigir que a maior parte dos recursos fossem encaminhados a candidatos homens.

Ao solicitar recursos para sua campanha, Adriana Borges ouviu de um assessor de Marcelo que ele "precisava de parte dos recursos provenientes do fundo partidário destinado às mulheres". E fez uma proposta indecente: repassar R$ 100 mil, desde que ela se dispusesse a devolver R$ 90 mil na forma nove cheques em branco para arcar com despesas de outros candidatos, como divulgou a Folha de S.Paulo, cuja investigação trouxe os laranjais a público.

O ministro recorreu ao Supremo Tribunal Federal em nome do foro privilegiado. Mas já foi aberta a contagem regressiva para a sua queda. Marcelo não foi o primeiro do PSL a ser podado por conta da produção de cítricos – honra que pertence a Gustavo Bebianno, ex-advogado de Bolsonaro e novo homem-bomba da República. O governo federal, contudo, sabe que não será o último. Por isso, sua resistência individual é a trincheira atrás da qual outros tantos se protegem.

Vale lembrar que Luciano Bivar, presidente nacional do PSL e deputado federal por Pernambuco, ao ser entrevistado por Camila Mattoso, da Folha de S.Paulo, sobre uma candidatura laranja do partido, deu sua "contribuição sociológica" sobre a política como vocação masculina.

"Você tem que ir pela vocação, tá certo? Tem que ir pela vocação. Se os homens preferem mais política do que a mulher, tá certo, paciência, é a vocação. Se você fizer uma eleição para bailarinos e colocar uma cota de 50% para homens, você ia perder belíssimas bailarinas, porque a vocação da mulher para bailarina é muito maior do que a de homem. Tem que ser aberto", afirmou Bivar.

"Eu não sei na sua casa, se sua mãe gosta tanto de política quanto seu pai. Você tem que gostar porque é jornalista política. Mas se alguém fosse candidato na sua casa, estou aqui fazendo uma ilação, certamente seu pai seria candidato e sua mãe não seria. Ela tem outras preferências. Ela prefere ver o Jornal Nacional e criticar, do que entrar na vida partidária. Não é muito da mulher."

A candidatura sobre a qual foi questionado era a de Maria de Loudes Paixão, secretária no PSL. Ela havia recebido R$ 400 mil de dinheiro público da direção nacional, com autorização de Bebianno, poucos dias antes do pleito. Teve 274 votos e teria gasto R$ 380 mil em uma única gráfica, que se enrolou para demonstrar a execução do serviço. Serviu como laranja do partido em Pernambuco.

O deputado disse que é contrário à regra que obriga partidos a destinarem 30% dos recursos do fundo eleitoral – além da mesma proporção em tempo de rádio e TV – à candidaturas de mulheres.

Como já disse aqui, o sistema partidário brasileiro funciona como um clube de homens. E não é por desinteresse ou falta de vocação e de aptidão da parte delas, mas devido a um machismo estrutural criado e mantido por nós, homens, que garante que as coisas não mudem ou mudem muito lentamente.  As estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo os homens que estão em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva.

O Supremo Tribunal Federal determinou, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5617, que serve de referência para a questão, que 30% era piso e não teto. Depois, o TSE reafirmou isso, explicando que, caso o número de mulheres ultrapasse esse piso, os recursos devem aumentar na mesma proporção. A Lei das Eleições (9.504/1997) obriga a cota mínima de gênero. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, dos 513 deputados federais eleitos em outubro de 2018, 77 eram mulheres. Esses 15% não chegam nem perto dos 51,7% de mulheres na sociedade brasileira – de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2017.

O ponto é que como há um número limitado no Congresso Nacional, em Assembleias Estaduais e Distrital e Câmaras dos Vereadores, aumentar a participação de mulheres significa, na maioria das vezes, diminuir a de homens. E isso tem gerado obstáculos a candidatas, principalmente na política local. Líderes partidários, na sua maioria, homens, chegam ao ponto de atuar para que mulheres conhecidas participem do pleito, para angariar votos para a legenda, mas não tenham tanta exposição a fim de não prejudicá-los. Isso quando não as transformam em mulheres-laranja.

O problema não é apenas a sub-representação (que dificulta a defesa do interessa delas) e a falta de legitimidade para discutir e decidir aspectos que dizem respeito à saúde e dignidade das mulheres. É também a forma bizarra como a política de cotas é transformada em vilã no caso das candidaturas de fachada. Não apenas os homens impedem as mulheres de terem voz e espaço, como alguns defendem que a culpa pela existência dos laranjais é das laranjas e não de quem os plantou.

Até na política, nós homens, culpamos a vítima.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.