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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro insulta seu povo ao dizer que "imigrantes não têm boa intenção"

Leonardo Sakamoto

19/03/2019 03h30

Teria sido bem menos constrangedor flagrar o presidente brasileiro usar um chapéu com as orelhas do Mickey em uma reunião de cúpula entre Brasil e Estados Unidos do que vê-lo defender a ampliação do muro que separa os EUA do México e da América Latina, em entrevista à Fox News, nesta terça (19). E ainda por cima insultar a parcela dos trabalhadores migrantes que tentam entrar de forma irregular no país, como centenas de brasileiros.

"Nós concordamos com a decisão de Trump sobre o muro", afirmou o presidente.

Ao dizer "nós", Bolsonaro sequestra a opinião de milhões de brasileiros que não têm culpa alguma pelas medidas preconceituosas e discriminatórias defendidas por seu supremo mandatário. Não é a primeira vez que a família faz isso, contudo. Durante um evento em um resort pertencente a Donald Trump, na Flórida, em fevereiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro subiu ao palco e contou que apoiava o projeto do presidente norte-americano de ampliar o muro. "Como trabalhei na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, nós sabemos como as coisas funcionam. Então, construam o muro. Nós, brasileiros, estamos apoiando vocês."

Bolsonaro não ficou só nisso, infelizmente. Também disse que "a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer o melhor ou fazer bem ao povo americano".  Considerando que são muitos os brasileiros entre os que migram para os EUA e, mais do isso, que o Brasil se constituiu por migrações de pessoas de várias partes do mundo, o presidente da República conseguiu insultar sua própria gente em uma TV estrangeira.

Dizer que "a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções" é praticamente um reforço nas declarações de seu filho, Eduardo, dadas neste domingo.  "O brasileiro que vem pra cá [Estados Unidos] de maneira regular é bem-vindo. Brasileiro ilegalmente fora do país é problema do Brasil, é vergonha nossa", afirmou.

A opinião, dada em evento de Steve Bannon, liderança da extrema direita norte-americana, ignorou aqueles que saem do país em busca de uma vida melhor. Expulsos pela falta de emprego ou pela violência, brasileiros como outros latino-americanos entram e se estabelecem de forma irregular nos EUA. Não querem infringir a lei, mas guiados pela propaganda de que lá ainda é a terra da oportunidade, não veem outra opção.

A vergonha, portanto, não é o fato de brasileiros entrarem irregularmente em outro país, como já disse aqui. Mas do Brasil ter sido incompetente para garantir boa qualidade de vida a eles e a suas famílias de forma que não precisassem procurá-la em outro lugar. Por outro lado, "a grande maioria dos imigrantes" tem sim boas intenções e faz o bem ao povo que os acolhe. São eles que exercem o trabalho sujo que poucos querem fazer, limpam latrinas, costuram roupas, cozinham e servem, recolhem o lixo, limpam as ruas, constroem casas.

Como eu disse há dois dias, um representante do povo brasileiro, eleito com uma expressiva votação, deveria defender a dignidade de seus conterrâneos e não as políticas migratórias de outro Estado. No ano passado, centenas de brasileiros ficaram detidos por entrarem de forma irregular nos EUA, dentre eles crianças que chegaram a ser isoladas de seus pais. Nem Jair, nem Eduardo deram um pio para manifestar preocupação quanto a eles nessa viagem.

Desde sua campanha eleitoral, Donald Trump culpa os migrantes pobres por desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas e principalmente o terrorismo. Chegou a dizer que eles "infestam" o país e os chamou de o "mal". Vale lembrar, contudo, que a maioria dos atiradores que mataram em escolas e igrejas nos Estados Unidos eram homens, brancos, héteros, nascidos por lá.

O que Bolsonaro ganha ao dar declarações como essa, que faz coro com o pior do nacionalismo? Mostrar-se tão útil que o presidente norte-americano talvez o considere um parceiro prioritário? Acender a libido da ala radical de seus seguidores em redes sociais? Ganhar um afago ou um biscoito da extrema direita norte-americana? O problema é que ser subserviente nunca fez com que alguém ganhasse respeito. Pelo contrário.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.