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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro corre o risco de ser tratado como presidente "café com leite"

Leonardo Sakamoto

29/03/2019 09h16

Bolsonaro usa camisa falsificada do Palmeiras em reunião de equipe. Foto: Divulgação

A política café com leite, que vigorou no Brasil nas primeiras décadas do século passado durante a República Velha, foi um acordo para manter a hegemonia nacional entre as oligarquias de São Paulo (produtor de café) e de Minas Gerais (leite). Com isso, os presidentes paulistas e mineiros se alternavam no poder.

Mantendo o ritmo atual, Jair Bolsonaro pode vir a inaugurar uma nova política café com leite.

Ela poderia ser descrita como aquela em que o presidente da República demonstra falta de interesse ou despreparo para articular os interesses de seu governo e do país junto ao Congresso Nacional; acredita de forma messiânica, que ao revelar a "verdade" aos parlamentares, ela os libertará; percebe como suja toda e qualquer negociação para atendimento das demandas justas de parlamentares em troca de apoio; evita repartir poder, por mais que sua base confiável seja restrita a 54 dos 513 deputados federais; e mobiliza hordas de fãs e seguidores em redes sociais e aplicativos de mensagens para desmentir jornalistas, opositores e aliados que adotarem viés crítico a essas ações.

Ou seja, nesta nova versão, o café com leite seria o próprio presidente da República. Por ser considerado um jogador mais fraco, determinadas ações não seriam levadas em consideração e erros e falhas precisariam ser continuamente contidos e corrigidos pela sua própria equipe. O café com leite, ao invés de agregar, torna-se um peso para o time, mas como é, literalmente, o capitão, não há muito o que fazer.

Por mais que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – que travou com Bolsonaro uma guerra de declarações nos últimos dias – tenha estabelecido um armistício e que os "superministros" do governo federal, Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), tenham buscado dialogar com parlamentares para baixar a temperatura, é público e notório que Bolsonaro segue sendo uma "nova crise prestes a acontecer".

Ministros, que não foram eleitos pela população, não substituem, em última instância, a figura do presidente no processo de negociação. Considerando que Guedes e Moro ainda são neófitos em fazer política e possuem temperamento difícil, quanto tempo levará até que outro parlamentar repita que é hora de Bolsonaro aparecer ao invés de mandar seus "funcionários" – declaração de Rodrigo Maia contra Moro que causou frisson.

O retorno da verborragia contra o parlamento e outros conflitos são questão de tempo. Em sua cabeça, Bolsonaro foi eleito para destruir a política que está aí – tá ok? – e implementar algo novo no lugar. Não corromper e ser corrompido deveria ser condição mínima para atuar na vida pública, mas não é isso que ele está combatendo ao criminalizar a política. Pelo contrário, administrar tentando agradar apenas os iguais e atacar os freios e contrapesos que limitam os poderes na República é tão antigo quanto a própria política e nunca deu certo. Às vezes, descamba para a irrelevância, às vezes para a tirania.

Diante disso, a ala militar da Esplanada dos Ministérios, principalmente a que está em seu entorno no Palácio do Planalto, permanecerá como a turma do "deixa disso" diante das caneladas, mas também dos erros de passe, da falta de treino, dos gols contra e dos carrinhos por trás que o presidente cometer ao longo do jogo.

O problema é que a nova política café com leite tem limites. Quanto tempo todos vão aguentar ver a contratação mais cara fazendo bobagem e jogando contra? Quanto tempo vai levar para que os patrocinadores abandonem o time se ele não entregar o campeonato prometido, a Reforma da Previdência? Quanto tempo levará até que o público comece a jogar amendoim se o café com leite não adotar políticas para reduzir substancialmente os 13,1 milhões de desempregados e as 64 mil mortes violentas por ano?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.