Bolsonaro corre o risco de ser tratado como presidente "café com leite"
A política café com leite, que vigorou no Brasil nas primeiras décadas do século passado durante a República Velha, foi um acordo para manter a hegemonia nacional entre as oligarquias de São Paulo (produtor de café) e de Minas Gerais (leite). Com isso, os presidentes paulistas e mineiros se alternavam no poder.
Mantendo o ritmo atual, Jair Bolsonaro pode vir a inaugurar uma nova política café com leite.
Ela poderia ser descrita como aquela em que o presidente da República demonstra falta de interesse ou despreparo para articular os interesses de seu governo e do país junto ao Congresso Nacional; acredita de forma messiânica, que ao revelar a "verdade" aos parlamentares, ela os libertará; percebe como suja toda e qualquer negociação para atendimento das demandas justas de parlamentares em troca de apoio; evita repartir poder, por mais que sua base confiável seja restrita a 54 dos 513 deputados federais; e mobiliza hordas de fãs e seguidores em redes sociais e aplicativos de mensagens para desmentir jornalistas, opositores e aliados que adotarem viés crítico a essas ações.
Ou seja, nesta nova versão, o café com leite seria o próprio presidente da República. Por ser considerado um jogador mais fraco, determinadas ações não seriam levadas em consideração e erros e falhas precisariam ser continuamente contidos e corrigidos pela sua própria equipe. O café com leite, ao invés de agregar, torna-se um peso para o time, mas como é, literalmente, o capitão, não há muito o que fazer.
Por mais que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – que travou com Bolsonaro uma guerra de declarações nos últimos dias – tenha estabelecido um armistício e que os "superministros" do governo federal, Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), tenham buscado dialogar com parlamentares para baixar a temperatura, é público e notório que Bolsonaro segue sendo uma "nova crise prestes a acontecer".
Ministros, que não foram eleitos pela população, não substituem, em última instância, a figura do presidente no processo de negociação. Considerando que Guedes e Moro ainda são neófitos em fazer política e possuem temperamento difícil, quanto tempo levará até que outro parlamentar repita que é hora de Bolsonaro aparecer ao invés de mandar seus "funcionários" – declaração de Rodrigo Maia contra Moro que causou frisson.
O retorno da verborragia contra o parlamento e outros conflitos são questão de tempo. Em sua cabeça, Bolsonaro foi eleito para destruir a política que está aí – tá ok? – e implementar algo novo no lugar. Não corromper e ser corrompido deveria ser condição mínima para atuar na vida pública, mas não é isso que ele está combatendo ao criminalizar a política. Pelo contrário, administrar tentando agradar apenas os iguais e atacar os freios e contrapesos que limitam os poderes na República é tão antigo quanto a própria política e nunca deu certo. Às vezes, descamba para a irrelevância, às vezes para a tirania.
Diante disso, a ala militar da Esplanada dos Ministérios, principalmente a que está em seu entorno no Palácio do Planalto, permanecerá como a turma do "deixa disso" diante das caneladas, mas também dos erros de passe, da falta de treino, dos gols contra e dos carrinhos por trás que o presidente cometer ao longo do jogo.
O problema é que a nova política café com leite tem limites. Quanto tempo todos vão aguentar ver a contratação mais cara fazendo bobagem e jogando contra? Quanto tempo vai levar para que os patrocinadores abandonem o time se ele não entregar o campeonato prometido, a Reforma da Previdência? Quanto tempo levará até que o público comece a jogar amendoim se o café com leite não adotar políticas para reduzir substancialmente os 13,1 milhões de desempregados e as 64 mil mortes violentas por ano?
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.