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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro apagou três meses da Educação no Brasil com Vélez e os olavistas

Leonardo Sakamoto

05/04/2019 16h02

Duas imagens representativas do atual estado da Educação. A primeira é o quase ex-ministro da área, Ricardo Vélez Rodríguez, tentando se agarrar ao cargo, em um evento com empresários, em Campos do Jordão (SP), enquanto o presidente da República afirmava, em um café com jornalistas, em Brasília", que ele é "bacana" e "honesto", mas sua gestão não está dando certo.

Dias depois de informar que mudaria os livros escolares para que afirmassem que não houve golpe em 1964, muito menos ditadura militar nos 21 anos seguintes, ele disse que "temos que nos alicerçar para tomada de decisões numa perspectiva técnica, científica e não diretamente ideológica". Em suma, com o avião caindo, o ateu começou a rezar.

A segunda cena aconteceu na Escola Estadual Frederico Brotero, em Guarulhos (SP). Policiais que foram chamados pelo diretor para conter um protesto organizado, via WhatsApp, contra ele no pátio da escola apontaram espingardas contra os adolescentes. Em um vídeo que viralizou, uma jovem de 17 anos foi empurrada, pelo peito, com o cano da arma de um PM. De acordo com o governo, o policial teria sido afastado. O protesto, segundo os alunos, deve-se a problemas de infraestrutura, como salas, corredores e banheiros que alagam quando chove, ausência de material escolar e falta de tolerância com atrasos na entrada do turno da noite, o que tem afetado alunos que trabalham. O Estado, na forma da polícia, entra na escola para atacar quem reclama, não para resolver o problema.

As duas cenas estão vergonhosamente ligadas entre si.

O Brasil conta com uma formação precária dos docentes e com alunos que saem do Ensino Médio analfabetos funcionais. Assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar. Paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente em todas as escolas. Mantém um teto orçamentário, aprovado no governo passado, que restringe novos investimentos em uma área que ainda está distante de um mínimo aceitável. E mesmo que estejamos terminando a segunda década do século 21, mais da metade das escolas sequer tem esgoto, que dirá de laboratórios e internet rápida.

Mas, como já disse aqui, a sensação, de acordo com a narrativa que o governo Jair Bolsonaro tem adotado para a educação, é de que o problema da área passa pela presença de ilustrações de pipius e xaninhas em cartilhas voltadas a explicar a adolescentes cuidados de saúde com o próprio corpo. Ou a existência de metodologia para que crianças aprendam que não devem espancar mulheres, homossexuais e transexuais, como fazem muitos dos adultos. Ou ainda uma suposta doutrinação gayzista-globalista-partidária-comunista-anti-família e pró-mamadeira de piroca, nos livros didáticos e nas salas de aula.

Até agora, o ministro da educação e outros indicados, como ele, para cargos na pasta pelo escritor e polemista de extrema-direita Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, têm se esforçado para lutar contra moinhos de vento e fantasmas do passado ao invés de garantir o aprimoramento do sistema educacional. Exemplo o vácuo é que a falência da gráfica que imprimiria as provas do Enem neste ano acendeu uma luz amarela. Claro que há outras alternativas, mas considerando que o MEC dedica mais tempo ao desenvolvimento do macarthismo tupiniquim do que a resolver problemas, tudo pode acontecer.

A verdade é que Bolsonaro apagou três meses da Educação no Brasil por ter nomeado Vélez e um séquito de olavistas para a MEC. Ele tem o direito de imprimir a marca dele, mas não tem o de paralisar o futuro do país.

Qual a função da escola? Educar por educar, passando apenas dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e o cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, sem considerar a realidade à sua volta, sem ajudá-lo a construir um senso crítico e questionador sobre o poder, seja ele vindo de tradições, corporações, religiões ou governos, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina. A um tijolo, em qual parte do muro deve permanecer – e é isso o que deseja uma grande quantidade de milícias digitais e movimentos fundamentalistas.

Em algumas sociedades, pessoas que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança e chamadas de mal-educadas. Nos comentários das matérias sobre o protesto na escola de Guarulhos, há muitas ofensas aos "estudantes vagabundos que não querem estudar". Note que eles não estavam fora mas dentro da escola, reivindicando permanecer lá.

Presos na cortina de fumaça da suposta doutrinação marxista que estaria ocorrendo na educação, empobrecemos um pouco mais o debate sobre o futuro. O resultado de toda essa confusão será a contenção dos pequenos avanços civilizatórios da área desde a redemocratização.

Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Que tipo de educação pode ser construída a partir de uma matriz de ensino baseada na gestão de Ricardo Vélez Rodríguez e nos ensinamentos de Olavo de Carvalho?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.