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Leonardo Sakamoto

Do STF ao Planalto, presidentes chamam de "fake news" o que lhes desagrada

Leonardo Sakamoto

16/04/2019 11h46

Foto: Evaristo Sá/AFP

Presidentes como Jair Bolsonaro e Donald Trump têm o mau hábito de chamar de "fake news" todo e qualquer conteúdo jornalístico que os desagrade. Não importa que estejam baseados em fatos reais, até porque eles contam com seus próprios "fatos alternativos".

Ganharam a companhia do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que pediu para que uma reportagem da revista Crusoé fosse inserida em inquérito sobre "fake news" que já estava aberto na instituição. O texto, que acabou censurado pelo ministro Alexandre de Moraes, fundamentava-se em delação de Marcelo Odebrecht, citando Toffoli. O ministro deveria reclamar com o dono da construtora, não com o mensageiro.

Do ponto de vista acadêmico (e há universidades e centros de pesquisa em todo o mundo que estudam esse fenômeno), notícias falsas são publicações que viralizam em redes sociais a partir de informações comprovadamente falsas, com um formato que simula o estilo jornalístico para enganar o público, ocultando sua autoria.

Era esse fenômeno, aliás, que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral deveriam ter se preparado, com muito tempo de antecedência, para reduzir os impactos negativos nas eleições do ano passado. A campanha de 2014 já tinha acendido a luz amarela, mas os que poderiam fazer algo para mitigar não enxergaram e não ouviram e o debate público acabou contaminado com conteúdos visando à desinformação.

Ao que tudo indica, o Supremo só começou a se preocupar com a questão quando começou a ser vítima de ataques pelas redes sociais. Quando era só a democracia sendo espancada, não havia pressa.

Diante do fato de que ministros do STF estão chamando de fake informação baseada em apuração, seria interessante entender qual conceito eles usam para definir o que é verdade e o que é mentira.

Um dos principais desafios para combater a desinformação e a manipulação causada por conteúdos falsos, distorcidos ou hiperpartidarizados é exatamente a falta de uma definição legal que tenha sido amplamente discutida por acadêmicos, juristas e pela sociedade e aceita. E sabemos o que acontece quando os que estão no poder, independentemente de sua orientação ideológica, decidem qual é a verdade aceitável.

Para uma democracia, é preferível um ecossistema político contaminado com a circulação de notícias falsas do que um Estado com o poder de decidir o que é verdade e o que não é.

Você pode não gostar da cobertura de determinados jornais, revistas, sites, canais de rádio e de TV, do posicionamento de colunistas e blogueiros e discordar profundamente da pauta conduzida por um repórter. Mas o respeito ao jornalismo, seja ele de veículos tradicionais ou alternativos, mídia grande ou pequena, liberal ou conservadora, segue sendo um dos pilares da democracia. Sem uma imprensa livre, os poderes político e econômico estariam bem à vontade para serem mais toscos do que já são.

O problema é que o pensamento que quer censurar aquilo com a qual discorda não está sozinho.

Pesquisa Datafolha, divulgada em outubro do ano passado, mostra que questionados sobre a frase "o governo deve ter o direito de censurar jornais, rádios e TV", 72% discordam (61% totalmente e 11% em parte), 23% concordam com ela (13% totalmente e 10% em parte), 1% não concorda e nem discorda e 4% não opinaram. Em 2014, a taxa dos que discordam diminuiu oito pontos (era 80%) e a taxa dos que concordam cresceu 10 pontos (era 13%). Os que desgostam da imprensa livre ainda são minoria, mas eles vêm crescendo.

As pessoas não percebem isso, pois muitas são contra a censura – daquilo que elas acreditam. Mas, não raro, silenciam diante de censura daquilo da qual discordam.

O mais triste é que parte dos que reclamam da censura imposta pelo STF simpatiza com ataques a jornalistas quando estes criticam seus mitos, desconstroem seus professores ou vão de encontro àquilo em que acreditam. Invade a vida privada dos profissionais, distorcendo fatos, expondo dados pessoais, ameaçando filhos e pais. A perseguição é sempre mais violenta quando o alvo são mulheres, momento em que o ataque se torna misógino. Por vezes, transborda a rede e vai para a rua, para o restaurante, para a porta da casa. O processo de ataque aos jornalistas se assemelha à tortura, não para que o jornalista em questão seja punido pelo que fez, mas para que, traumatizado, nunca mais tenha coragem de tratar do candidato novamente.

Cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela. O que significa defender o direito de informar sobre qualquer coisa de interesse público. E que a sociedade decida isso rápido, pois os jornalistas, não raro, são os primeiros a serem perseguidos e calados. Mas, quando isso acontece, nunca são os únicos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.